terça-feira, 8 de julho de 2014

Raymundo Costa: Dilma "sentiu" a contusão de Neymar

• Presidente quer o hexa para animar sua campanha

- Valor Econômico

O golpe que tirou Neymar da Copa do Mundo teve impacto também no governo, que conta com uma vitória da Seleção em campo para animar a campanha da reeleição. A presidente Dilma Rousseff considera que seu governo já foi aprovado no que se refere à organização do maior evento esportivo do planeta. O hexa fecharia com chave de ouro a narrativa de uma Copa que há um mês parecia caminhar para o desastre.

Antes da Copa, o governo temia ser responsabilizado eleitoralmente por ter pecado na organização do campeonato. Tinha bons motivos para isso. Uma semana antes da partida de abertura, o Datafolha registrava a candidatura da presidente em baixa e o pessimismo nacional em alta. O esforço era para ao menos empatar um jogo que parecia perdido.

Com a bola rolando, Dilma se deu conta de que a Copa era um sucesso - reconhecido interna e externamente - dentro e fora do campo. A presidente, que estava na defensiva, partiu para o ataque à oposição e à imprensa, especialmente, acusando-os de fomentar o pessimismo por razões eleitoreiras.

Para manter a oposição sob fogo cerrado, é importante para a campanha da presidente que a Seleção brasileira conquiste a Copa pela sexta vez. Faz parte dos planos da campanha explorar eleitoralmente todo o potencial político de uma vitória. Não é à toa que Dilma reagiu imediatamente ao golpe sofrido por Neymar.

O atacante ainda se contorcia em dores no gramado do Castelão, quando a presidente saiu a campo em busca de informações sobre a gravidade da lesão. Dilma ligou para ministros e até secretários de governos estaduais aliados do Palácio do Planalto foram acionados para fornecer à presidente um quadro claro da situação. A contusão de Neymar, misturado com a questão eleitoral, virou assunto de Estado.

Nesse contexto é que foi redigida a carta que a presidente enviou a Neymar, na qual se refere ao atacante como "um grande guerreiro que não se deixa abater, mesmo ferido".

Ontem, Dilma confirmou que estará presente ao jogo final da Copa do Mundo e mais uma vez aproveitou para prestar solidariedade a Neymar. "Vou entregar a taça no domingo, e torço para que seja para o Brasil", disse em um bate-papo com internautas. Para não perder a viagem, como se diz no futebol, aproveitou a conversa para dar caneladas em quem dizia que não iria haver Copa. "Antes falavam que não ia ter Copa. Agora, muita gente boa quer mais Copa. Tudo com gosto de quero mais". Dilma até reproduziu o gesto que Neymar usa para comemorar seus gols.

A última pesquisa Datafolha sugere que Dilma pode ter razão ao apostar suas fichas na Copa do Mundo. Entre a pesquisa realizada uma semana antes da Copa e a divulgada na semana passada, o índice de intenções de votos na presidente cresceu quatro pontos. Melhoraram a autoestima do brasileiro e a aprovação dos eleitores à realização da Copa do Mundo no Brasil. No entanto, deve-se considerar que a presidente apenas recuperou espaço perdido, sendo duvidoso, portanto, que o sucesso da Copa represente um rendimento eleitoral significativo.

No Brasil, política e futebol costumam andar juntos. O mesmo não se pode dizer de futebol e eleição, apesar de o futebol ser uma paixão nacional e das tentativas de governo e oposição de pegar carona no êxito ou no fracasso da Seleção.

A história é farta de exemplos: é conhecido o slogan da ditadura, "onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional". A Seleção perdeu a Copa de 1998, mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reelegeu no primeiro turno. O pentacampeonato não segurou a campanha do candidato governista em 2002.

A Copa do Mundo de 2014, no entanto, tem uma característica que a diferencia das demais: o Brasil é o país-sede da competição. A organização fora das quatro linhas era o desafio e o teste principal do governo. A exploração eleitoral em torno da Copa também era inevitável: a oposição surfou nos atrasos das obras e no alto custo dos estádios; o governo, agora que a Copa entra na reta final sem nenhum grande problema de organização, reage atacando a oposição. Há um mês tentava "vitidilmar" a presidente, vaiada e ofendida pela torcida no jogo de abertura da Copa.

Para analisar os efeitos eleitorais de um mês que arrebatou o país, o paralelo possível é a Copa de 1950, também realizada no Brasil. A derrota da Seleção para os uruguaios, à época, traumatizou um país que já dava a conquista do campeonato como fava contada. Nem por isso pode-se dizer que a Copa contribuiu significativamente para a derrota do candidato governista Cristiano Machado do PSD (dessa eleição surgiu o termo "cristianizar" para designar candidatos abandonados à própria sorte por seus partidos).

O presidente Eurico Gaspar Dutra bem que tentou faturar a Copa politicamente. O comitê encarregado de administrar as obras de construção do Maracanã praticamente se transformou numa filial do PSD. A derrota da Seleção inviabilizou qualquer tentativa de capitalização política. Pelo contrário, animou uma oposição que se contivera enquanto a Seleção avançava na competição.

Nos 79 dias seguintes ao "maracanazo", até as eleições, o governo sofreu duras acusações de prática de corrupção na construção do Maracanã, a obra símbolo da Copa de 50. O Congresso chegou a investigar as denúncias, algumas reputações se perderam. Hoje o governo convive com acusações parecidas, mas há certo consenso de que o estrago que poderia ser feito pela Copa já foi contabilizado pelo governo.

O Ministério Público Federal eventualmente pode questionar alguns gastos, mais tarde, mas a atenção do governo e da oposição estará voltada para as duas CPIs do Congresso que investigam irregularidades na Petrobras. Esses inquéritos, mais que uma eventual derrota hoje ou no domingo, podem ter impacto na eleição presidencial. O hexa, no entanto, dará mais gás para a campanha de Dilma se apropriar do feito e atacar a "fracassomania" da oposição.

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