domingo, 20 de julho de 2014

Reforma urbana toma lugar de reforma agrária

• Manifestações de junho consolidam inversão de prioridades das diretrizes de programa de governo dos candidatos à Presidência

Roldão Arruda - O Estado de S. Paulo

Uma das principais novidades nos programas dos candidatos à Presidência da República neste ano é o crescimento e a consolidação do espaço dedicado aos problemas urbanos. A mudança pode ser detectada com facilidade nos textos enviados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelos três postulantes que aparecem com mais destaque nas pesquisas de intenção de voto.

A explicação mais provável para a mudança é o impacto que tiveram sobre políticos e marqueteiros as grandes manifestações de junho do ano passado, iniciadas como um protesto contra o preço das tarifas do transporte público e culminando em um clamor popular por uma reforma urbana.

Esse anseio sinaliza as transformações da sociedade brasileira. Se na década de 1960, quando a bandeira da reforma agrária empolgava os partidos de esquerda no País e o governo de João Goulart, 55% dos brasileiros viviam em zonas rurais, hoje essa população está em torno de 16%. E a tendência, de acordo com o IBGE, é que ela fique mais reduzida nos próximos 30 anos.

Em suas propostas enviadas ao TSE, a presidente Dilma Rousseff (PT), que tenta a reeleição, fala de maneira enfática na necessidade de uma "reforma urbana". O candidato do PSDB, Aécio Neves, vai na mesma linha. Entre as cinco "reformas fundamentais" que promete iniciar tão logo assuma o Planalto, as duas primeiras referem-se a questões urbanas - envolvendo transporte e segurança pública.

No programa de Eduardo Campos (PSB), um dos cinco eixos de mudanças que promete por em andamento é denominado Novo Urbanismo e o Pacto pela Vida. Para o ex-governador pernambucano, trata-se de "um dos problemas mais expressivos que se propõe ao Brasil e, consequentemente, àqueles que o governarão".

As grandes questões urbanas já estavam presentes em programas de eleições anteriores. A diferença é que agora aparecem com mais destaque. Em 2010, Dilma apresentou análises e propostas de mudanças para melhorar a vida nas cidades, mas não situou a questão entre as grandes reformas que o Brasil precisava. O primeiro esboço de programa que seu partido aprovou, durante encontro nacional realizado em maio, sequer dedicou um capítulo especial à questão, embora já reconhecesse que as cidades estão crescendo desordenadamente e que "muitas estão à beira do colapso".

A candidata do PSOL, Luciana Genro, está convencida de que a mudança está ligada às manifestações de junho. Ela fala sobre isso na página de apresentação de seu programa. "As manifestações que tiveram como ponto de partida a luta contra o aumento das tarifas expressaram um descontentamento mais amplo do povo contra as péssimas condições de vida nos grandes centros brasileiros e insatisfação com a subordinação do interesse público aos negócios privados", disse a ex-deputada gaúcha.

Campos também justifica suas escolhas na apresentação do programa lembrando os protestos: "É preciso ouvir o grito das ruas e ser consequente com os anseios da imensa borda de desfavorecidos que almejam inclusão verdadeira e cidadania plena".

Choque. A primeira impressão da leitura dos textos é a de um choque de realidade. Ao lembrarem, aqui e ali nos textos enviados ao TSE, que quase 85% dos brasileiros já vivem nas cidades, que o déficit habitacional gira em torno de 6 milhões de unidades, que a precariedade dos serviços de segurança pública está entre as principais preocupações da população, que a falta de mobilidade urbana foi o estopim das mobilizações que paralisaram o País, que o saneamento é o pior setor da infraestrutura nacional e que as ocupações irregulares se alastram por todas as metrópoles, os políticos parecem se dar conta da maior transformação social que ocorreu no Brasil nos últimos 50 anos: a sua veloz urbanização.

Essa transformação, conforme observações contidas no programa de Campos, ocorreu "com a completa ausência de planejamento urbano". Para Aécio, a redução da mobilidade urbana já traz "imensos prejuízos à qualidade de vida", com consequências para a saúde pública.

O desafio agora é definir políticas capazes de reverter os problemas. O candidato tucano promete priorizar o transporte público, tornando-o "uma alternativa viável e concreta em relação ao transporte individual". À esquerda dele e do PT, o PSOL promete implantar a tarifa zero no transporte dos principais centros urbanos. Já PSTU, PCB e PCO defendem a estatização de todo o sistema de transporte público. Na outra ponta, o Pastor Everaldo (PSC) acredita que o melhor é deixar tudo por conta da iniciativa privada.

Para o ex-deputado Eduardo Jorge, candidato do PV à Presidência, a preocupação é com a má representatividade dos cidadãos no atual sistema político. Ele defende o fechamento do Senado, a redução em 25% do número de deputados federais e a revalorização das câmaras municipais, que seriam assessoradas por conselhos de cidadãos eleitos pelos moradores.

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