domingo, 6 de julho de 2014

Um tucano na guerrilha

• Escolhido como vice na chapa de Aécio Neves, Aloysio Nunes lembra de sua atuação na luta armada para tentar derrubar a ditadura

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Na noite de 9 de agosto de 1968, Aloysio Nunes Ferreira dividia insone uma cama de casal com outras três pessoas, num pequeno apartamento próximo à praça Roosevelt, na capital paulista. Preparava-se para o assalto que se tornou uma das mais célebres ações de guerrilha durante a ditadura no Brasil.

"Às vezes eu lembro da sensação, da incerteza", contou. "E se não der certo? E se eu for preso? E, se preso, for torturado? E se, torturado, eu falar? Sabe... Era um pavor. Muito medo. Me lembro disso, mas de ter dormido, não."

O relato --feito pelo hoje senador tucano à Folha, dias depois de ter sido escolhido candidato a vice-presidente da República na chapa de Aécio Neves (PSDB-MG)-- é sobre a noite que antecedeu o assalto ao trem pagador Santos-Jundiaí, em 10 de agosto.

Aloysio, na época com 23 anos, integrava a ALN (Ação Libertadora Nacional), organização liderada por Carlos Marighella. A função do tucano foi dirigir o veículo --um Fusca roubado-- usado na fuga dos parceiros.

Na guerrilha, Aloysio teve muitos nomes. Notabilizou-se por "Mateus", mas usou outros, como "Lucas". "Eram sempre evangelistas", lembra. Abriu exceção aos codinomes bíblicos quando escreveu para a "Voz Operária", publicação do PCB (Partido Comunista Brasileiro), e assinou "Nicanor Fagundes".

"Nicanor pela música do Chico Buarque [Onde andará Nicanor?', diz o primeiro verso da canção] e Fagundes porque daí ficava NF [iniciais de Nunes Ferreira]."

Aloysio nunca escondeu sua relação com a guerrilha. Iniciou a militância no PCB quando estudante de direito da USP. Dentro do "partidão", seguiu a ala de Marighella, que via como "herói", e partiu para a luta armada.

Ao lado de Dilma
Na disputa presidencial de 2010, foi contra a exploração eleitoral da atuação da então candidata Dilma Rousseff (PT) na organização VAR-Palmares, também de guerrilha.

"Fui mais longe do que ela. Mas isso não me impede de hoje ter uma visão absolutamente crítica, não só da tática, mas da concepção desses movimentos", avalia. "Atacávamos a ditadura por uma via que não era democrática."

No regime militar, Dilma guardou armas e dinheiro para a VAR-Palmares, mas não há registro de que participou de assaltos e ações armadas.

A revisão de Aloysio sobre sua atuação na guerrilha não é recente. Ironicamente, o próprio Marighella desencadeou esse processo ao providenciar a ida do tucano para Paris, em 1968. Com documentos falsos, embarcou com a missão de divulgar a guerrilha do Brasil na Europa.

Passou a acompanhar o Partido Comunista Francês e diz ter visto ali que a saída estava na "revolução com as massas" e não com as armas.

Na França, emplacou textos de Marighella na revista do filósofo francês Jean-Paul Sartre. "Aloysio tinha essa visão de guardar cartas do Marighella. A gente se preocupava, porque aquilo era fogo puro, dinamite [se fossem descobertas]", lembra a socióloga Ana Corbisier.

Era ela quem traduzia para o francês os textos de Marighella. Amiga de infância do senador, foi quem o abrigou no pequeno apartamento na véspera do assalto ao trem.

Hoje, os dois militam em campos opostos. Ana ficou pouco em Paris e partiu para Cuba. Tornou-se amiga do ex-ministro José Dirceu, exilado na ilha na época. Filiada ao PT, diz ter sido "uma pena" que Aloysio, de volta ao Brasil, tenha se filiado ao MDB, embrião do PMDB. Depois migrou para o PSDB.

Opção
No partido, aproximou-se daquele que viria a ser um dos amigos mais próximos, José Serra. A primeira vez que viu Serra, ele era presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e fazia um discurso pela mobilização anti-golpe no Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964.

Depois, os dois se encontraram em Paris, na década de 1970, quando jantaram com um amigo em comum. Serra só lembra de Aloysio já no Brasil. "Tenho com ele grande afinidade eletiva. Quando nos conhecemos, depois do exílio, foi como se fôssemos amigos desde criancinha. Isso facilitou a aproximação política, que se desdobraria por décadas, naturalmente com flutuações", afirmou.

Em sua gestão no governo de São Paulo (2007-2010), Serra fez de Aloysio chefe da Casa Civil e o homem mais poderoso de seu círculo.

Cabia a ele negociar com prefeitos e deputados, além do acompanhar as principais metas do governo. Durante a eleição de 2010, quando Serra saiu candidato à Presidência, surgiram acusações de que um homem próximo a Aloysio, conhecido como Paulo Preto, havia desviado dinheiro da campanha.

Nada ficou comprovado. Aloysio sai em defesa do engenheiro, a quem chama pelo nome: Paulo Vieira de Souza, ex-dirigente da Dersa.

"O Paulo já era rico antes de entrar no governo e a acusação era absurda", afirma.

O cacife acumulado durante a gestão Serra e a capilaridade de seus contatos com políticos no Estado o colocaram entre os cotados para a vaga de vice na chapa de Aécio. A aproximação do mineiro, com quem Serra disputou protagonismo no PSDB por anos, levou às "flutuações" mencionadas pelo ex-governador.

"A trajetória do Aloysio foi marcada pela defesa da democracia. Como ele mesmo diz, é um jovem idealista. Não poderia estar em melhor companhia", disse Aécio.

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