domingo, 31 de agosto de 2014

Decifrando Marina

• Analistas avaliam programa de governo da candidata do psb, que trará gastos adicionais de r$ 95 bi ao ano

Cristiane Jungblut, Renato Onofre, Tiago Dantas, Thiago Herdy, Germano Oliveira e Cleide Carvalho – O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - As propostas apresentadas na sexta-feira pela candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, vão provocar gastos adicionais de cerca de R$ 95 bilhões ao ano. O maior impacto será na área da Saúde, com a intenção de destinar 10% da receita corrente bruta da União para o setor: de R$ 54 bilhões em 2015, segundo o próprio Ministério do Planejamento. Pela regra proposta por Marina, deveria ser aplicado em Saúde um valor de R$ 153,4 bilhões (10% da receita corrente bruta de 1,533 trilhão). O valor da receita corrente bruta foi informado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) e depois pelo Planejamento. O piso constitucional da Saúde para 2015 foi calculado em R$ 99,4 bilhões.

Na área das políticas sociais, Marina Silva propõe transformar o Bolsa Família em política pública permanente e oferecer o benefício a mais 10 milhões de famílias no programa. Hoje, são 14 milhões de famílias a um custo de R$ 27,1 bilhões. Há ainda a defesa de uma "terceira geração de programas sociais", que assegurem acesso a serviços públicos de qualidade e a plena emancipação das famílias beneficiadas (a chamada porta de saída dos programas sociais).

A professora Margarida Gutierrez, do Coppead da Universidade Federal do Rio (UFRJ), argumenta que é preciso dizer de onde virão os recursos:

- O Bolsa Família não é um programa caro, foram cerca de R$ 25 bilhões no ano passado. Com mais dez milhões, dobraria quase o gasto. Já aumentar em R$ 54 bilhões em Saúde é muito. Seria muito bom, mas isso implica redução de gasto em custeio. Parece que ela está trabalhando com um Orçamento que não tem de fato. É louvável, mas não é fácil.

BC autônomo é alvo de elogios
Num misto de críticas e elogios, analistas defendem a necessidade de Marina explicar melhor de onde vai tirar recursos para colocar em prática as propostas e analisam em que medida são factíveis.

Na área econômica, a autonomia do Banco Central, para o ex-ministro Maílson da Nóbrega, daria mais condições de a entidade preservar a estabilidade da moeda e o sistema financeiro.

- Será possível definir mecanismos de prestação de contas do BC, para que ele não se transforme em quarto poder - destacou Maílson.

Para o ex-diretor do Banco Central Carlos Tadeu de Freitas, a medida "gera perspectiva favorável para o futuro" - embora se trate de um processo que demorará, porque envolverá, ainda, a definição de mandatos para diretores e o papel deste Banco Central independente, com necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional.

A decisão de defender a correção de preços administrados represados pelo atual governo, como gasolina e tarifa elétrica, também foi elogiada pelos ex-dirigentes do setor.

- É positivo, porque você não engana o eleitor. Países que dão menos subsídios são menos afetados em uma eventual crise - afirmou Carlos Tadeu de Freitas.

A proposta de diminuir o acesso a recursos subsidiados pelo Tesouro, por meio do BNDES, também foi elogiada pelos ex-dirigentes da área econômica.

- O BNDES precisa sofrer reformulação de tal maneira que continue incentivando a infraestrutura, mas não dando subsídios para setores que poderiam ir ao mercado buscar recursos. O subsídio custa caro ao Tesouro Nacional - defendeu Carlos Tadeu.

Na educação, mais do mesmo
Em relação às políticas para Educação, Neide de Aquino Noffs, da PUC-SP, diz que Marina está colocando no programa de governo para a Educação o que já está previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado no dia 25 de junho de 2014. Para ela, Marina não está fazendo mais do que sua obrigação ao anunciar a destinação de 10% do PIB no setor, uma vez que isso já está previsto na lei 13.005, que criou o PNE.

- Falta ainda fazer a articulação de quanto os governos municipais, estaduais e federal devem aplicar. Sobre o projeto de Marina para implantar a educação em tempo integral, também não é novidade, pois isso também está previsto dentro do PNE - ressaltou.

O professor Vitor Henrique Paro, da USP, qualifica a educação em tempo integral como uma "muleta" adotada tanto pela esquerda quanto pela direita.

Para Geraldo Ferreira Filho, presidente da Federação Nacional dos Médicos, a meta divulgada por Marina de vincular 10% da receita corrente bruta da União ao financiamento da Saúde é uma reivindicação da sociedade, inclusive da entidade que preside.

- Outros países que têm um sistema parecido com o brasileiro investem de 7% a 8% do PIB em Saúde, enquanto o Brasil investe de 3,5% a 4% do PIB, o que é muito baixo. Outro problema é que há má gestão, que é muito politizada e pouco técnica. Além disso, há a corrupção, o que desvia os já pequenos recursos para o setor - disse Ferreira Filho.

Segundo ele, o sistema hospitalar brasileiro precisa duplicar o número de leitos. Atualmente são 400 mil leitos, o que dá dois leitos por cada mil habitantes, enquanto países mais desenvolvidos têm de três a quatro leitos por mil habitantes.

Ainda sobre Saúde, Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), avalia que a área não precisa apenas de mais dinheiro, porque, segundo ele, "a corrupção é desenfreada no setor".

Para a política, propostas polêmicas
Professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo avalia que as propostas na área de democracia e reforma política apresentadas por Marina Silva são genéricas, trazem poucas inovações - e, no que inovam, representam o atraso. Ranulfo analisa como "um desastre completo" a proposta de unificar as eleições no país, com mandatos de cinco anos. Para ele, o sistema que prevê a eleição dos mais votados para os cargos do Legislativo também é ruim, porque tira a força dos partidos, mas é coerente com o que ela vem defendendo.

- Unificar as eleições criará uma confusão na cabeça do eleitor, dificultar, porque ele terá que discutir o bairro e o país ao mesmo tempo. Quanto mais eleição, melhor. Para mim, é um atraso. Defender a eleição dos mais votados, independentemente dos partidos, piora o sistema, mas é coerente com a ideia dela de governar sem os partidos - afirma Ranulfo.

Para o professor, a ideia da candidatura avulsa não é algo ruim, mas teria impacto muito pequeno nas eleições no Brasil. Segundo ele, a não ser que seja muito rica ou tenha apoio de alguém com recursos, a pessoa não conseguirá se candidatar sem o apoio de um partido. Ele acha positiva a proposta de incentivos a plebiscitos e referendos, mas lembra que isso já está previsto na Constituição Federal e que o instrumento não deve ser banalizado.

Medidas ambiciosas na Segurança
No caso da Segurança Pública, o programa é ambicioso: propõe a construção de um Pacto Nacional de Redução de Homicídios, com a fixação de metas. Outra proposta é reforçar as verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública, prometendo multiplicar por dez a verba de 2013 e aumentar o efetivo da Polícia Federal em 50% nos próximos quatro anos.

- Não sei se aumentar em dez vezes o valor do Fundo Nacional de Segurança Pública é o melhor ou não. Mas o Brasil precisa investir mais na área. Essa ampliação é necessária. Os investimentos vêm caindo no governo Dilma. As propostas parecem bastante positivas - afirmou o professor Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj.

Em relação à política ambiental, o professor do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental da Unicamp José Maria Silveira disse que a meta de zerar a perda de cobertura florestal no Brasil é perfeitamente possível, assim como são necessárias medidas como a criação de novas unidades de conservação, atingindo 10% da área de cada bioma, e a extensão da fiscalização por satélite à caatinga, ao cerrado e à Mata Atlântica, como o que ocorre na Amazônia Legal.

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