domingo, 24 de agosto de 2014

Elio Gaspari: O ‘faço porque posso’ de Graça Foster

- O Globo

Quem acompanha a desenvoltura do comissariado petista habituou-se a conviver com notícias chocantes. Assessor de deputado com dólares na cueca ou o vice-presidente da Câmara voando no jatinho de um doleiro. Ainda assim, pode (se quiser) atribuir esses malfeitos às deficiências do gênero humano. Aí, aparecem os repórteres Vinicius Sassine, Eduardo Bresciani e Demétrio Weber e informam:

Entre março e abril, a presidente da Petrobras, Graça Foster, doou a seus dois filhos um apartamento no Rio Comprido, outro em Búzios e uma casa na Ilha do Governador. (A mesma generosidade bafejou Nestor Cerveró, diretor da Petrobras, levando-o a doar aos filhos e a um neto dois apartamentos no Leblon e outro em Ipanema.)

Desde 2012 o Tribunal de Contas da União investigava a encrenca da Petrobras na compra da refinaria de Pasadena, que poderia resultar no bloqueio de bens do petrocomissariado. Ele efetivamente ocorreu, meses depois das doações. Na quarta-feira, quando o TCU decidia se deveria bloquear também o patrimônio de Graça Foster, veio a informação da transferência dos bens. “É grave, porque é como se fosse uma tentativa de burlar o caso”, disse o ministro José Jorge, relator do processo no Tribunal.

Faz sentido que Cerveró tenha decidido fazer as doações, afastando a mão da Viúva caso ela queira de volta o que perdeu em Pasadena. Ele participou da operação. Graça Foster, não. Ademais, carrega uma tiara de benignidade. Entrou na Petrobras como estagiária, foi a primeira mulher a sentar-se na sua diretoria, chamaram-na de “clone da Dilma” e “Dama de Ferro”. Admitindo-se que os imóveis transferidos sejam medida de seu patrimônio, depois de 36 anos de trabalho, a engenheira Foster chegou à presidência de uma das maiores empresas do mundo com a mixaria de dois apartamentos e uma casa de praia. Qualquer lasca de contrato de uma plataforma rende mais que isso.

Pela cronologia, a doação de Graça Foster comprometeu sua biografia. O fato de ter feito algo parecido com o que fez Cerveró, juntou-a a ele, quando as tramas de Pasadena dissociavam-na.

Foram ações temerárias, produto do “faço porque posso”, sentimento que se infiltra nos poderosos, levando-os a acreditar em coisas que não fazem sentido e a correr riscos que a razão aconselha evitar. Quando Graça Foster assumiu a presidência da Petrobras viu-se festejada pela competência e também pela origem. Teria crescido numa favela do Complexo do Alemão. Nos anos 50, sua família vivia na Penha, um bairro de classe média. Nas décadas seguintes, onde algumas franjas degradaram-se com a expansão do que se conhecia apenas como “favela do Alemão”. A “favelada” pagara seu material escolar catando papéis e latas de alumínio. Nessa época, era comum que crianças vendessem a quilo jornais velhos da família ou mesmo de vizinhos. Quanto às latas de alumínio, não existiam. Graça mudou-se para a Ilha do Governador em 1965, quando tinha 12 anos.

A petista favelada e catadora de papel na presidência da Petrobras era uma alegoria-companheira. Ninguém está livre da falácia das narrativas, mas elas podem ser contidas. Dilma Rousseff poderia ter contido a história segundo a qual era doutora pela Unicamp. O general americano Colin Powell, que chegou a secretário de Estado, era filho de imigrantes jamaicanos e crescera no Bronx. Construiu-se a falácia do menino negro saído de uma comunidade violenta e degradada. Powell fez questão de dizer que na medida em que ascendia a posições de relevo, sua origem tornava-se cada vez mais humilde e o Bronx, mais miserável. Ao seu tempo, era apenas um bairro de classe média baixa de Nova York.

Elio Gaspari é jornalista

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