sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Maria Cristina Fernandes: Fiel depositário

- Valor Econômico

• As apreensões da última eleição antes do fim do mundo

Termina amanhã o prazo para os candidatos entregarem à Justiça Eleitoral a primeira parcial de sua arrecadação de campanha. Os números a serem divulgados a partir da próxima quarta-feira devem reproduzir a pontuação das pesquisas. Na disputa majoritária lidera a arrecadação quem demonstra mais chance de ganhar e não quem se identifica com o financiador.

É por isso que, a despeito do azedume empresarial com sua reeleição, o chapéu da presidente Dilma Rousseff deve aparecer como o mais cheio e o do ex-governador Eduardo Campos, o mais aplaudido da sabatina industrial da semana, mais vazio que o do senador Aécio Neves.

O Supremo Tribunal Federal ameaça colocar este retrato na parede depois das eleições, quando a maioria, já formada, deve confirmar a derrubada da regra que aceita o financiamento da política pelas empresas.

É difícil prever o que virá se a mudança se confirmar. A resistência empresarial, de tão grande, ainda levanta dúvidas sobre os condicionantes que podem vir a ser colocados à sua aplicação.

A resistência extrapola muito aquilo que o ministro Teori Zavascki, o único voto contrário, dos sete já registrados, chamou de messianismo judicial - a pretensão do tribunal de eliminar a interferência econômica na política com a mudança de uma norma.

Um grande empresário se diz apreensivo com a possibilidade de a mudança torná-lo vítima do achaque de políticos. Coleciona uma ampla carteira de financiados para evitar que, na hora do perrengue, quando precisa tirar um diretor de estatal da retranca, tenha que enfrentar o leilão de intermediários fortalecidos pelo mercado negro das campanhas eleitorais. Avesso ao risco, prefere montar sua bancada.

A mudança, se confirmada pelo Supremo, proibirá doações de empresas, como acontecia na ditadura militar, mas não a de pessoas que, sobrando dinheiro no fim do mês, se disponham a investi-lo na política.

Uma mudança na regra obrigaria a uma exposição de risco. As empresas podem até admitir bancadas, mas nem sempre é conveniente para seus acionistas expor as amizades que fazem na política.

Os beneficiários das doações de grandes bancos e empresas podem não ser os depositários das crenças dos seus executivos, mas são a melhor aposta para seus negócios. Não se trata de doação, mas de investimento.

A torcida mal disfarçada nas análises sempre será neutralizada nas posições da tesouraria de bancos e empresas. Ainda está por ser construído, na zona cinzenta dos interesses privados na política, o hedge das doações de pessoas físicas.

A analista do Santander demitida na semana passada teve o mesmo destino do economista do escritório do banco em Nova York que, em 2002, face à iminência do primeiro presidente petista, recomendou venda de título brasileiro. Nem aquele episódio nem o atual afastarão PT e governo do banco. Rui Falcão, presidente do partido, apressou-se a esclarecer que governos estaduais e municipais petistas não romperão contratos com o banco. É uma briga para consumo eleitoral.

Como outros grandes financiadores, o Santander doa para todos os candidatos e forma bancada independente das convicções políticas de seus executivos. Isso acontece no mundo todo, mas em poucos lugares os interesses de investidores e eleitores são tão conflitantes como no Brasil. Não apenas pela acachapante parcela dos eleitores que só têm dinheiro para investir no supermercado e no ônibus mas porque aqui eles são obrigados a votar. Não há como neutralizar posição ou fazer hedge contra o voto da maioria.

Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu como um seguro investimento eleitoral. Continuou carregando isopor com cerveja na cabeça enquanto garantia os ganhos de quem nunca deixou de vê-lo como um líder populista.

Dilma não seguiu a cartilha combinada à risca e agora Lula, que já não precisa carregar isopor, está tendo mais dificuldade em segurar o chapéu. "Em 2010 a gente confiou porque Lula pediu. Agora todo mundo conhece Dilma. Só vamos ajudar se ele garantir que ela vai fazer o que deve. Ele vai ser nosso fiel depositário", diz um empresário.

Entre as tarefas que o depositário terá que acordar com a infiel candidata está a de mudar a política de preços da Petrobras. A indústria se queixa da gasolina barata para os brasileiros que o PT motorizou às custas da carestia em outros derivados. A pauta dos liberais inclui ainda a volta da contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide) sobre a gasolina, para viabilizar o etanol, e uma guinada nos modelos de concessão. As tarifas teriam que ser garantidas em contrato e não por subvenção do BNDES.

A política externa é outro tema que divide convicções e interesses. Da clientela Selecta para cima, a companhia de europeus e americanos é preferível à dos populistas que ainda resistem no outro lado das fronteiras brasileiras ou à dos Brics, mas, para uma fatia importante do capital, o mercado aberto pela diplomacia empresarial na América Latina e no Atlântico Sul deve ser mantido.

O empresário não tem dúvidas de que Aécio é melhor toureiro e se indaga o que seria de sua campanha se as empresas já não pudessem doar. Na sua avaliação, o senador sabe montar equipe e delegar. O temor é que o Ministério da Fazenda, sob titularidade tucana, volte a ser uma repartição em que industriais sejam considerados presenças indesejadas.

Eduardo Campos também toureia e tem mais gosto pela gestão que o senador tucano, mas, na avaliação deste empresário, não tem equipe. Tem sido prejudicado, nesta campanha, pela dianteira precoce assumida por Aécio como candidato da oposição.

E Dilma? Esta não é para amadores. "Não adianta achar que ela vai querer te ajudar. Ela não ajuda ninguém. Você tem que fazer por onde convencê-la que seu projeto se encaixa nas prioridades do governo. Lula era mais sensível a argumentos como o risco de demissões e o esforço na construção de uma solução de consenso. Dilma só cede à racionalidade econômica e republicana."

Como não há expectativa de mudança na postura da presidente, a saída é convocar o fiel depositário e garantir ajuda à concorrência para o caso de ser preciso trocar a bancada.

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