sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Nelson Motta: A dança das palavras

• Nada soava redundante no texto de García Márquez. Se alguma palavra, por mais desnecessária que parecesse, fosse cortada, a cadência que embala o leitor se quebraria

- O Globo

Gabriel García Márquez dizia que a grande luta e a melhor tática de quem escreve é usar de todos os meios para hipnotizar o leitor com o ritmo das frases e a sonoridade das palavras — e levá-lo ao próximo parágrafo.

É quase o oposto da velha escrita “moderna” americana, de períodos curtos, secos e objetivos, econômica em adjetivos e advérbios, que se confunde com a linguagem do new journalism do século passado, tornando as ficções mais verossímeis pela narrativa jornalística, e mais emocionantes as reportagens escritas em linguagem de romance.

Jornalista e ficcionista, mestre no real e na fantasia, García Márquez conseguia encontrar o equilíbrio entre um mínimo de concisão e um máximo de ritmo nas suas palavras, sempre levando o leitor ao parágrafo seguinte, e ao seguinte, até o ponto final.

Mas nada soava excessivo, redundante ou repetitivo no seu texto. Se alguma palavra, por mais desnecessária que parecesse, fosse cortada, a cadência que embala o leitor se quebraria e ele poderia se distrair e não ir adiante.

Como os tambores de candomblé que levam ao transe, ou a veemência ritmada de um sermão religioso que incendeia os fiéis, ou o suingue das rimas de um rapper, García Márquez sempre levava seus leitores ao próximo parágrafo.

Sua façanha máxima foi nos manter eletrizados e em suspense até o fim de “Crônica de uma morte anunciada”, narrando os fatos que levaram ao assassinato que se conhece logo na primeira página, mas de forma tão ritmada e envolvente que é impossível não ter esperanças e não torcer para que a vítima se salve no último parágrafo, apesar do desfecho inexorável e conhecido.

Mas por que mesmo estamos falando em García Márquez?

Talvez porque o noticiário estivesse tão desanimador, principalmente o político, o econômico e o cultural, e fosse tão difícil encontrar um assunto que pudesse inspirar o cronista, que, sem a verve de um Ubaldo ou de um Verissimo, ele tenha se lembrado das lições de García Márquez e dedicado muitas horas de trabalho para tentar envolver o leitor na levada das palavras e das frases, até chegar ao último parágrafo.

Ufa!

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