terça-feira, 19 de agosto de 2014

Raymundo Costa: Os novos desafios de Marina Silva

• O que antes parecia certo e seguro não é mais na sucessão

- Valor Econômico

Uma das máximas preferidas dos congressistas diz que duas coisas movem a política: o fato novo e o fato consumado. Os dois se juntaram na atual conjuntura e mudaram verdades estabelecidas. O que antes parecia seguro e certo, como a criação do Rede Sustentabilidade após a eleição, por exemplo, pode não ser mais, se a ex-senadora Marina Silva se eleger presidente da República pela legenda do PSB, embora ela diga exatamente o contrário. Desde a morte prematura e trágica de Eduardo Campos, a política segue sua dinâmica e lógica próprias - a começar pela confirmação de Marina Silva como candidata de um partido em que planejava ficar por uma curta temporada.

A terceira via, aparentemente prestes a sucumbir à polarização entre PT e PSDB, ganhou uma base mais sólida para se expressar. Não é por acaso que Marina Silva entrou na corrida já em segundo lugar, sem no entanto tirar votos da presidente Dilma Rousseff e do senador Aécio Neves, os outros dois principais candidatos a presidente. Marina cresceu entre os insatisfeitos com a política e no ruído das ruas de junho de 2013. Ainda é pouco para ganhar a eleição, mas o suficiente para virar de ponta cabeça o quadro sucessório.

O cenário atual ainda está muito contaminado pela tragédia pessoal de Campos e sua família. Para uma avaliação mais precisa dos desdobramentos eleitorais dos novos fatos é necessário esperar a entrevista de Marina ao "Jornal Nacional" da TV Globo, para um público de 40 milhões de espectadores, e o andamento do horário gratuito de televisão, quando a emoção, aos poucos, será substituída por avaliações de mérito da candidata, em relação sobretudo ao outro desafiante, o senador tucano Aécio Neves.

Num primeiro momento, Marina parece depositária natural do apoio emocionado de parte do eleitorado. Mas é impossível dimensionar qual a força desse fenômeno e sua extensão no tempo. Seja como for, os comitês de Dilma e Aécio preparam mudanças e um reposicionamento na campanha. A campanha de Dilma, particularmente, aposta na destruição mútua de Aécio e Marina, em consequência de uma disputa sangrenta pelo segundo lugar. Algo como aconteceu em 2002, quando a campanha de José Serra (PSDB) atacou virulentamente a candidatura de Ciro Gomes, à época no PPS, mas chegou sem gás ao segundo turno.

Os sinais até agora emitidos pela campanha de Aécio apontam para uma disputa de nível. O candidato do PSDB pretende questionar a experiência administrativa da candidata do PSB. O jogo em armação no PT parece mais duro. A campanha de Dilma pretende exigir que Marina diga o que pensa fazer com Belo Monte, por exemplo, e os projetos para a cadeia produtiva do petróleo. Legítimo, se não for uma discussão para disseminar preconceitos, como dizer que Marina é contrária ao desenvolvimento do país. Antes da morte de Campos, o presidente do PT, Rui Falcão, já dizia que sua vice Marina teria que explicar por que ficou neutra no segundo turno da eleição presidencial de 2010.

Em documento interno, o secretário-geral do PSD, Saulo Queiroz, chama a atenção para um aspecto pouco considerado até agora: um partido novo e forte pode estar nascendo na política brasileira, sem a necessidade do escrutínio da Justiça eleitoral. Marina, como é de conhecimento público, não conseguiu registrar o Rede Sustentabilidade a tempo de disputar a eleição de 2014. À época, alguns pequenos partidos ofereceram legenda para abrigar sua candidatura a presidente da República. Seria até uma solução natural - outra das leis que regem a política -, mas Marina surpreendeu e preferiu se associar a Campos no PSB.

O movimento da ex-ministra de Lula implicava a renúncia explícita de sua candidatura presidencial, já ocupada por Campos. Era um acerto temporário. Em nenhum momento Marina e seus aliados abdicaram da criação do Rede Sustentabilidade. Na realidade, como diz o documento de Saulo, "ficou muito claro que abriram mão da candidatura a presidente para não abrir mão de criar o novo partido, recheado de ideias e conceitos políticos inovadores", no futuro.

Em todo esse processo, o Rede jamais abriu mão de suas teses e valores, pelo que nunca restou dúvida de que se tratava de uma aliança pragmática, mas transitória. Mas com Marina cabeça de chapa o Rede "deixa para trás a condição de hóspede e assume a condição de morador permanente no seu novo espaço político", diz Saulo.

O secretário-geral pessedista acredita que a força da candidatura de Marina vai obrigar o velho PSB a se renovar, "abrigando os postulados defendidos pelos sonháticos". O desafio de Marina será juntar o capital de Eduardo Campos com o seu próprio, agora em valorização. A convicção de Saulo vem do fato de que a legislação para a criação de novos partidos mudou. Ao contrário do que aconteceu com o PSD, o Pros e o Solidariedade, novos partidos agora nascem sem tempo de televisão e recursos do fundo partidário, a que só terão direito por conquista eleitoral.

Mudança significativa no comitê eleitoral da presidente Dilma Rousseff: o presidente do PT, Rui Falcão, venceu a queda de braço que mantinha com o superpoderoso ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) sobre os assuntos da campanha à reeleição. Depois de uma conversa classificada de "dura" entre os dois com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro passou a cuidar exclusivamente de assuntos de governo. Mercadante ainda deve participar de reuniões da coordenação, periodicamente realizadas no Palácio da Alvorada. Mas deixou de lado a operação propriamente dita de assuntos da campanha. A gota d'água, aparentemente, foi a costura para o financiamento de algumas campanhas estaduais do PMDB, feitas sem o conhecimento do vice-presidente Michel Temer. Candidatos que estavam de fora da lista dos beneficiados, como Eunício Oliveira, protestaram. Temer, que estava licenciado da presidência do PMDB, reassumiu o cargo.

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