sábado, 20 de setembro de 2014

Erro na Pnad: presidente do IBGE diz não estar confortável no cargo

• Governo anuncia duas comissões: uma de especialistas independentes para analisar pesquisa e outra interna para apurar responsabilidades

Clarice Spitz – O Globo

RIO - A presidente do IBGE, Wasmália Bivar, disse nesta sexta-feira que não se sentia confortável após o instituto ter anunciado diversas correções na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2013, divulgada na quinta feira com uma série de erros.

— Confortável, não estou. Como presidente do IBGE não quero ser vista apenas como a que ficou nos momentos bons. Sou como um capitão que fica no seu navio.

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse que o governo está chocado com o erro no resultado da Pnad, que provocou incorreções em resultados de sete estados: Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, que respondem por mais de 59% da população brasileira, segundo as estimativas populacionais para 2014. Entre os dados corrigidos, o IBGE informou que agora a desigualdade no país caiu, em vez de subir. O instituto negou que qualquer ingerência política tenha levado à correção dos dados.

Segundo Miriam, serão constituídas duas comissões: uma de especialistas fora do governo, para analisar a consistência da pesquisa, e outra de sindicância interna para encontrar as razões dos erros e apurar responsabilidades.

— O governo está chocado com esse erro cometido pelo IBGE. Como disse a presidente do IBGE, doutora Wasmália Bivar, é um erro gravíssimo. E, em razão disso, o governo decidiu duas coisas. Em primeiro, constituir uma comissão de especialistas independentes para avaliar a consistência da Pnad.

A comissão de sindicância será formada pelos ministérios do Planejamento, da Justiça e da Casa Civil, além da Controladoria-Geral da União. O grupo de especialistas ainda será formalmente convidado e deverá ter um prazo para apresentar seus resultados.

Antes de se manifestar em entrevista coletiva na sede do ministério, a ministra esteve reunida com assessores no Palácio do Planalto, para avaliar a situação.

Questionada sobre os problemas recentes de falta de quadros e ameaças de greve, além de um processo de cortes de gastos estar prejudicando as pesquisas do IBGE, a ministra negou essa relação.

— O quadro de funcionários cresceu 6%, neste ano nós liberamos 660 novos servidores ao IBGE, exatamente para dar as condições de ele seguir fazendo as suas pesquisas e o orçamento, nesse período nosso no governo, cresceu mais do que 60% — disse.

A ministra não quis comentar a hipótese de ter ocorrido um erro deliberado na elaboração dos resultados da pesquisa, nem sobre uma eventual demissão de Wasmália. Segundo ela, é preciso esperar os resultados da comissão de sindicância.

De acordo com os novos cálculos apresentados pelo IBGE nesta sexta-feira, o índice de Gini da renda do trabalho, um dos indicadores de desigualdade, passou de 0,496 para 0,495 em vez de subir para 0,498, como o IBGE tinha informado anteriormente. O índice de todas as fontes tinha ficado estacionado, mas agora ele cai para 0,501. Já o Gini domiciliar tinha subido de 0,499 para 0,500 e agora cai para 0,497. Quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade.

No novo cálculo, no Gini de todas as fontes, os 10% mais pobres têm avanço na renda superior aos 10% mais ricos. A renda da base avançou 2,9%, enquanto na parcela dos mais ricos, 2,1%.

Desemprego inalterado, menor queda de analfabetismo
Já a taxa de desemprego, que entre 2012 e 2013 subiu de 6,1% para 6,5%, foi mantida. Mas, na revisão dos dados de 2013, a população desocupada subiu menos: em vez de 7,2%, avançou 6,3%, para 6,6 milhões de pessoas.

Os novos cálculos mostram ainda que a taxa de analfabetismo caiu menos do que o estimado anteriormente. Os dados de quinta-feira mostravam o percentual passando de 8,7% para 8,3%. Agora, a redução foi menor, para 8,5%.

O trabalho infantil também registrou uma queda menor. Passou de -12,3% para -10,6%.


Os anos de estudo passaram de 7,7 anos para 7,6 anos agora.

Erro em ‘numerinho’
O diretor de pesquisa do IBGE, Roberto Olinto, explicou o falha, ocorrida na hora de colocar uma variável. E justificou as mudanças no resultado da Pnad:

— O erro ocorreu porque o peso de nove regiões metropolitanas foi superestimado. Como o rendimento de regiões metropolitanas é normalmente maior que o das demais, o rendimento dos 10% mais ricos foi maior e isso impactou o Gini, Por outro lado, como o analfabetismo é maior no interior, com a correção, cresceu. — disse Olinto.

— Como a amostra não cobre toda a região, existem pesos para cada região. Os dados brutos não têm problema, a questão foi na hora de calcular o numerinho que compõe a amostra, nesse processo, problema restrito às regiões metropolitanas de sete estados — afirmou.

Presidente do IBGE: ‘extremamente grave’
O problema foi identificado por consultorias econômicas e outros órgãos do governo, que questionaram os dados das Unidades da Federação. A presidente do IBGE disse que a falha é muito séria.

— Foi algo extremamente grave. Toda vez em que o IBGE erra, é nosso dever tornar isso público e pedir desculpas a toda a sociedade — afirmou.

Já Olinto classificou o episódio como um "infeliz acidente". Ele negou ter havido qualquer tipo de ingerência política e também descartou que a falha tenha sido fruto da greve ou da inexperiência de funcionários novos. Além disso, destacou que os dados passam por sete pessoas:

— Foi um infeliz acidente, estritamente técnico. As razões especéficas do erro vão ser investigadas.

Quando indagado se houve interferência politica, afirmou:

— Obviamente não. Dados como a Pnad têm um embargo, com 48 horas de antecedência. O governo também participa desse embargo. Seria surrealista divulgar um dado para depois divulgá-lo sob pressão. Foi um erro técnico. Não há indício de pressão.

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