quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Luiz Carlos Azedo: A broacadabra

• O estoque de medidas do governo para agradar à população de baixa renda se esgotou, e as possibilidades que teria para acenar em direção à classe média foram descartadas

- Correio Braziliense

O saudoso ator Rafael de Carvalho (1919-1981) — O Bem amado, Gabriela e Saramadaia, nas telenovelas; Macunaíma, Fogo morto, Eles não usam black-tie e O homem que virou suco, no cinema — era um artista multimídia à frente do seu tempo, que escrevia folhetins (Quadra, quadrinha; Quadrilha, não!) e produzia seus próprios shows. Com a atriz e cantora Mary Brasil, sua companheira de estrada, fazia sucesso no circuito universitário nos anos 1970 por causa dos “causos” e das canções de protesto contra o regime militar. Ele era um menestrel da liberdade.

A lembrança do artista nordestino quase esquecido vem ao caso devido a seu embornal mágico de sertanejo, carinhosamente chamado de “broacadabra”, do qual surgiam toda sorte de objetos que pudessem surpreender o público e mudar o rumo do espetáculo. Com perdão para a comparação com o velho artista da pequena Caiçara, nome inusitado para uma pequena vila na caatinga da Paraíba, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem uma espécie de broacadabra para a economia, da qual surgem propostas sob medida para atender necessidades imediatas do governo em momentos de apuros.

Foi assim, no fim do governo Lula, com o Minha Casa, Minha Vida, menina dos olhos da estratégia anticíclica que garantiu a eleição de Dilma Rousseff em 2010 e, em consequência, sua própria permanência à frente do Ministério da Fazenda. A menos de 20 dias das eleições, Mantega tenta reaproximar a presidente Dilma Rousseff do setor industrial, um dos mais prejudicados pela atual política econômica, e salvar o próprio pescoço, pois sua demissão já foi anunciada.

A diferença agora é que o estoque de medidas para agradar à população de baixa renda se esgotou, e as possibilidades que teria para acenar em direção à classe média foram descartadas, como o fim do fator previdenciário; a redução das alíquotas de imposto de renda para quem ganha 3.572,44 até 4.463,81 (22,5%) e acima disso (27,5%); e a inclusão dos profissionais liberais — médicos e dentistas, por exemplo — no novo Simples, entre outras medidas.

Mantega anunciou que a redução da alíquota do IR no exterior, de 34% para 25%, passará a valer para toda a indústria, pois apenas construção, serviços e alimentos e bebidas tinham esse benefício. A alíquota do programa Reintegra, que concede crédito sobre o faturamento das exportações, será de 3% em 2015. Essas medidas foram anunciadas após reunião com grandes empresários, na sede da CNI, em São Paulo, na segunda-feira.

No caso da redução do IR para empresas que têm operação no exterior, o ministro disse que, após um estudo do governo, foi concluído que era possível ampliá-la para todas as companhias manufatureiras. Em maio, o governo irritara os empresários ao anunciar o benefício para apenas alguns setores. A redução no tributo começa a valer no mês que vem, na forma de crédito tributário de nove pontos percentuais, a serem descontados do IR de 34%.

Não deixa de ser uma ironia, pois as empresas passarão a pagar 25% de Imposto de Renda e exportar empregos, enquanto a classe média paga 27% e perde postos de trabalho, além de não ter sequer a tabela corrigida de acordo com a inflação. As medidas vão compor, assim, um mosaico de decisões erráticas do governo, que contribuíram para desorganizar a economia, como os subsídios à energia e aos combustíveis, às tarifas de pedágio e outros preços administrados pelo Executivo.

Crescimento zero
Mantega tenta recuperar a desgastada confiança no governo antes das eleições. O discurso da campanha de Dilma foi adotado pelo ministro, que faz terrorismo eleitoral ao anunciar que a oposição adotará medidas que prejudicarão o agronegócio e a indústria: “Temo uma redução do Plano Safra e um desmonte no BNDES, o que seria trágico”, disse ele. Para arrematar, acrescentou que “o resultado de uma política de choque seria jogar o país numa recessão e no desemprego”.

Enquanto o ministro da Fazenda faz mágicas com a sua broacadabra, o PIB zero é cada vez mais inevitável: segundo a OCDE, que reúne os países desenvolvidos, reduziu a previsão do PIB do Brasil para 0,3% em 2014, um dos piores desempenhos entre os maiores mercados do mundo. Mesmo saindo da recessão, o Brasil terá um ano de 2015 com um crescimento medíocre e apenas em 2016 é que haverá retomada. Já o Boletim Focus, do Banco Central, jogou mais uma vez para baixo as projeções de crescimento de 2014 e 2015. A taxa prevista para este ano, em uma semana, recuou de 0,48% para 0 33%%. Foi a 16ª semana consecutiva de redução.

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