sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Maria Cristina Fernandes: As encrencas do condomínio

• Desejar mudança não é suficiente para renovar a política

- Valor Econômico

"Não é uma questão constitucional, é sanitária".

"Trabalhei a vida inteira para comprar um apartamento. Ele que trabalhe para comprar o seu".

"Quem paga o condomínio sou eu. Ele vai descontar do salário dele para pagar?"

Essas mensagens foram enviadas para Marcio Rachkorsky que, há um mês, comentou, em sua coluna na 'Folha de S.Paulo' e na rádio CBN, sobre o uso, por zeladores e empregados domésticos das áreas comuns dos condomínios.

Advogado de condomínios há 20 anos, Rachkorsky conhece as convenções que restringem o uso de áreas comuns aos moradores. E argumentava que zeladores, seus familiares e empregados domésticos, quando moradores, poderiam usufruir dos mesmos direitos. As normas internas dos condomínios, cansou de explicar, têm valor desde que não confrontem a Constituição.

Visitantes não se encaixam nas convenções de condomínios mas não se veem crianças com a Constituição debaixo do braço para fazer valer o direito de levar primos e amigos à piscina.

Metade dos missivistas era de furiosos. A ira era pródiga de argumentos. O que aconteceria com a piscina e a academia de ginástica se todos os empregados moradores resolvessem usá-los? Não se levantavam dúvidas sobre o tempo de espera da bicicleta ergométrica, frequentemente jogada às traças, se todos os condôminos resolvessem usá-la ao mesmo tempo.

Os condôminos incomodam os zeladores de madrugada com mais frequência do que estes requisitam o salão de festas para o aniversário de seu filho. E não há sinais de que esta equação vá mudar.

A gente diferenciada deve continuar longe dos salões dos condomínios da mesma maneira que os empregados continuam a evitar os elevadores sociais a despeito da plaquinha com a lei federal que, há quase 20 anos, lembra seus usuários de que seu uso é sujeito à multa por discriminação de raça, cor, origem, condição social, idade, deficiência ou doença não contagiosa.

Rachorsky frequenta centenas de condomínios e sente-se confortável para dizer que elevadores destinados a prestadores de serviço, como pintores ou encanadores, que portam equipamentos, continuam a ser usados preferencialmente pelas empregadas.

Nem a PEC das domésticas, que lhes estendeu, com um atraso secular, direitos dos demais trabalhadores, quebrou a barreira do elevador. Babás intimidam-se menos que cozinheiras, provavelmente porque se fazem acompanhar dos herdeiros.

Nos condomínios que frequenta, Rachorsky não vê diferenças de comportamento por faixa etária dos moradores. Casais mais jovens não são, necessariamente, mais tolerantes. A chamada nova classe média também não. Não se diferenciam comportamentos entre aqueles que pagam condomínio de R$ 1,5 mil ou R$ 200.

Na pesquisa qualitativa do advogado também não se diferenciam regiões do país. Além de São Paulo, onde está concentrada sua atuação, dá consultorias a condomínios de Belo Horizonte e Salvador. Reprisa-se de norte a sul, a legendária reunião de condomínio do filme "Som ao Redor", de Kléber Mendonça. Na cena, a sorte do porteiro, flagrado em cochilo pelo celular do filho adolescente de um condômino, é agravada pelo depoimento de moradora que recebe sua 'Veja' fora do plástico.

As brigas de condomínio estão cada vez mais judicializadas. Correspondem a um quinto das ações que tramitam no tribunal de pequenas causas de São Paulo. No Rio, a frequência de reuniões de condomínio não ultrapassa 15% de moradores, quórum que triplica se o tema em questão for, por exemplo, o sorteio de vagas de garagem.

Ninguém é obrigado a frequentar reuniões nem tampouco a votar suas deliberações, ao contrário do que acontece com as eleições. Mas reuniões de condomínio com quórum baixo e inflação de ações judiciais entre vizinhos não são um problema paroquial. São sintomas desta assembleia ampliada que se reúne no dia 5 de outubro em todo o país.

É grande a responsabilidade dos eleitos num país em que 70% dos votantes querem mudança. Ainda mais porque uma parcela ainda maior se recusa a participar das assembleias que mais diretamente afetam o cotidiano de sua vizinhança. Não há nada de novo nessa política.

O missivista que contesta Rachkorsky dizendo que o filho do zelador, para usar uma piscina, tem que esperar o pai comprar um apartamento provavelmente se encaixa naquela categoria de entrevistados nos quais o Datafolha se baseou para dizer que, de 2010 para 2014, cresceu o eleitorado de direita no país.

O pêndulo moveu-se do equilíbrio de quatro anos atrás. A afirmação "boa parte da pobreza está ligada à preguiça de pessoas que não querem trabalhar" alcançou a concordância de 37% dos brasileiros, cinco pontos percentuais a mais que em 2010.

Já a assertiva "boa parte da pobreza está ligada à falta de oportunidades iguais para que todos possam subir na vida", que arrebanhava 65% quatro anos atrás, hoje tem a concordância de 58% dos brasileiros.

O Datafolha detectou neste segmento de eleitores que relacionam pobreza com oportunidade e a desvinculam da preguiça, Dilma Rousseff com 41% dos votos, Marina Silva, com 33%, e Aécio Neves, com 8%.

Marina diz que a 'nova política' será feita pelos bons, estejam estes nos partidos nas universidades ou nas empresas. Sugere que o caráter e a boa vontade dos mediadores sobrepujam em importância os interesses.

Como ex-empregada doméstica de uma família que virou cabo eleitoral de sua candidatura em Rio Branco, não parece haver dúvidas de que Marina, como candidata a síndica, simpatiza com os interesses do zelador. Que uma parte expressiva dos condôminos perfilados a seu lado não compartilhe dos mesmos valores e, principalmente, dos mesmos interesses, é apenas uma parte das encrencas da candidata que se encaminha como finalista das assembleias de outubro.

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