sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Eduardo Giannetti - Alternância de poder

- Folha de S. Paulo

Em 22 junho de 2002, Lula, candidato de oposição pelo PT, leu um discurso em que firmava os seus compromissos na área econômica. Era um documento curto, de apenas quatro páginas, que na prática substituía o programa original de 40 páginas lançado pelo PT no início da campanha.

A "Carta ao povo brasileiro" partia da constatação de que "o Brasil quer mudar" e propunha a formação de "uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busque abrir novos horizontes para o país". Embora reafirmando a "percepção aguda do fracasso do atual modelo", Lula se comprometia a manter o cerne da política econômica do segundo mandato de FHC:

"Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos. A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros, não são um bem exclusivo do atual governo (...). Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle."

É difícil avaliar o real impacto da "Carta" na eleição de Lula, mas ela sem dúvida o credenciou como um ator político capaz de transcender do papel de líder partidário para alçar à condição de estadista.

Em seu primeiro mandato, Lula fez o que prometeu: não só honrou como reforçou os compromissos assumidos, praticando com competência o tripé macroeconômico e uma bem desenhada agenda micro, o que lhe permitiu abrir espaço para realizar as políticas sociais do seu governo. A alternância de poder, nos moldes como se deu, produziu um dos mais belos momentos da nossa democracia.

Em 2014, o cenário se repete. Diante do desejo de mudança expresso por 60% do eleitorado que votou na oposição ao atual governo no primeiro turno, Aécio Neves divulgou um importante manifesto --"Juntos pela democracia, pela inclusão social e pelo desenvolvimento sustentável" -- no qual busca se credenciar como líder de uma coalização suprapartidária capaz de viabilizar a alternância de poder.

Embora seja cedo para dizer se o gesto terá o alcance e a efetividade da "Carta" de Lula, penso que ele representa uma aposta na boa política. Quando a campanha corre o risco de descambar para a animosidade de facções hostis, o manifesto de Aécio propõe substituir a cultura do antagonismo pela cultura do diálogo e do compromisso firme com propostas definidas.

Faria bem a candidata Dilma se também aceitasse dirimir as dúvidas e firmasse com clareza os seus compromissos de governo. Infelizmente, porém, não será o caso. "Não pretendo fazer carta de intenção nenhuma", declarou, "tenho palavra, sou presidente da República".

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