domingo, 26 de outubro de 2014

Luiz Carlos Azedo - A maioria silenciosa

• Hoje, o Brasil se orgulhará de escolher seu presidente da República pelo voto direto e secreto, de forma pacífica e ordeira

- Correio Braziliense

Com pesquisas desencontradas, que apontam tanto a vitória do candidato de oposição, Aécio Neves (PSDB), como a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), o Brasil vai às urnas num clima de grande incerteza. O país parece mergulhado naquele nevoeiro descrito por Fernando Pessoa em seu poema épico intitulado Mensagem: “Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, nem o que é mal nem o que é bem. (Que ânsia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro.Tudo é disperso, nada é inteiro.”

É uma travessia que depende do voto do eleitor. Embora o debate eleitoral no segundo turno tenha sido pautado pelo retrovisor — a comparação dos dois mandados do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com os dois do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva —, o que está em jogo é a continuidade do governo de Dilma Rousseff, que termina o primeiro mandato com crescimento zero e o país pior do que aquele que recebeu, ou a formação de um novo governo, das forças de oposição, sob o comando do senador Aécio Neves (PSDB), ex-governador de Minas.

Há que se considerar a crise mundial, sem dúvida, pois ela impõe limitações ao país, mas um olhar ao redor, para a própria América Latina, desnuda nossas vicissitudes: as escolhas feitas pelo atual governo não deram muito certo. São um rosário de erros: a recusa aos acordos bilaterais de comércio com nossos parceiros europeus; a submissão às chantagens dos nossos vizinhos do Mercosul; a desastrada redução dos juros sem o necessário ajuste nas contas públicas; a volta da inflação e a desindustrialização; as maquiagens e manipulações de dados estatísticos; a incapacidade de enfrentar os problemas de infraestrutura; a tentativa ingênua de estabelecer os lucros das empresas nas parcerias público-privadas; a má-qualidade dos serviços prestados na Saúde, na Educação, nos Transporte e na Segurança; e os escândalos na administração direta e nas estatais, particularmente na Petrobras.

Tudo isso foi varrido para debaixo do tapete durante a maior parte da campanha eleitoral, principalmente no primeiro turno, quando a enorme vantagem em termos de tempo de televisão permitiu ao PT e à presidente Dilma Rousseff mostrar o “outro lado”: os bem-sucedidos programas Bolsa Família; Minha Casa, Minha Vida; Pronatec; Prouni; Mais Médicos, principalmente. Eles “fidelizaram” parcelas expressivas do eleitorado. Desde a origem, miravam a disputa eleitoral, mas é inegável o impacto positivo na vida dos que deles se beneficiam. Não fosse isso, a eleição estaria decidida a favor da oposição.

Desde junho do ano passado, quando ocorreram as grandes manifestações de jovens nas principais cidades do país, há uma insatisfação difusa na sociedade e um forte desejo de mudança na relação entre o Estado e os contribuintes. Além da má-qualidade dos serviços, a degeneração das práticas políticas e a escalada da corrupção na administração pública revoltam os cidadãos. É iminente uma crise política na Praça dos Três Poderes, devido às denúncias contra autoridades e políticos envolvidos na Operação Lava-Jato. Em segredo de Justiça, as delações premiadas do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e do doleiro Alberto Yousseff pautaram os últimos dias da campanha eleitoral. E podem, após as eleições, causar um strike no Congresso e na atual equipe de governo.

Há um senso comum entre os políticos de que o caixa dois de campanha eleitoral é uma prática inevitável e as urnas purgam os erros cometidos na disputa política. Para o Ministério Público e a Justiça não é bem assim; nem tudo o que é real na luta política é legal no Estado democrático, digamos assim. Muito provavelmente, após a eleição, a discussão sobre o fim do financiamento de empresas às campanhas eleitorais ressurgirá com força no Congresso, mas como uma espécie de anistia para a sujeira que emerge das relações entre órgãos e empresas públicas, grandes empreiteiras e políticos.

Por essas e outras, a eleição está indefinida. Em circunstâncias normais, a presidente Dilma seria reeleita. É bem-intencionada e dedicada à vida pública. Corre, porém, o risco de perder para o candidato de oposição, Aécio Neves (PSDB), devido aos erros que cometeu e ao envolvimento de seu partido, o PT, e dos principais aliados, o PMDB e o PP, com tantos malfeitos, para usar a palavra de sua preferência quando trata da roubalheira.

Os eleitores que ainda estão indecisos vão ponderar o que está certo e ao que está errado na vida nacional de acordo com a sua consciência. Sem o alarido dos militantes, a maioria silenciosa decidirá os destinos do Brasil nos próximos quatro anos. Apesar de tudo o que aconteceu durante a campanha, mais um vez o Brasil se orgulhará de escolher seu Presidente da República pelo voto direto e secreto, de forma pacífica e ordeira, em eleições à prova de fraudes eleitorais. Assim é a nossa democracia.

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