quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Merval Pereira - Conflito pós-eleitoral

- O Globo

O segundo mandato da presidente Dilma, conseguido aos trancos e barrancos , nem mesmo começou, e o PT já lança a candidatura de Lula para 2018. O PT, fragilizado pelas urnas, precisa sinalizar à militância que existe um Lula no fim do túnel, mesmo com a perspectiva de um governo fraco, que tende a se manter no mesmo rumo por que Dilma não mudará da noite para o dia sua maneira de ver o mundo.

O conflito explicitado pelo veto ao decreto dos conselhos populares já existia antes da eleição , e ele só não foi derrubado naquela ocasião por que ainda havia a expectativa de poder do PT , e muita gente receava enfrentá-lo . Passada a eleição, e constatada a fragilização, com a eleição apertada e a divisão clara do eleitorado , além do grande número de não- votos , todo político da base do governo que olha para o longo prazo vê que o segundo governo vai ser complicado. Vai haver momentos de demonstrar força para ganhar dividendos imediatos ou, no caso do PMDB, para preparar um salto mais alto na direção da oposição , ou de um candidato próprio em 2018. Uma batalha permanente da presidente Dilma com o Congresso , com grande chance de sair perdedora em muitas ocasiões , como aconteceu anteontem com a derrubada do decreto dos conselhos populares.

Quais serão os métodos de que se utilizará Dilma no segundo governo para fazer sua bancada de apoio? Com o processo do petrolão correndo na Justiça, e dezenas de deputados e senadores envolvidos no esquema de corrupção , que pode ainda respingar na própria presidente Dilma e no ex-presidente Lula , estará impedido o governo de usar o "toma-lá-dá-cá" com esse fim. No fim das contas , no mínimo, ser á mais arriscado nomear o diretor da Petrobras da área que fura poço . Vai ser, portanto , muito difícil negociar com a base aliada, que já foi muito infiel no primeiro governo.

Controle da chamada mídia profissional, plebiscito sobre formas de governo , além de formação de conselhos populares são receitas típicas de regimes autoritários de países vizinhos , muito ao gosto de setores importantes do atual governo brasileiro. No Congresso há diversas correntes que ajudaram a derrubar o decreto dos conselhos populares , desde os que o consideram eleitoreiro, editado às vésperas da eleição presidencial para ganhar a simpatia dos chamados movimentos sociais , que seriam os beneficiados pela medida, até os que temem que esse seja um passo a mais na direção de um governo no estilo bolivariano .

Há muitos deputados que votaram contra o decreto para preservar a função do Congresso Nacional no nosso sistema presidencialista, como um dos poderes da República, um contraponto ao Executivo e ao Judiciário. Mesmo quem não considera que o decreto seja inconstitucional, embora haja quem o considere assim, teme a manipulação que ele permite ao definir , por exemplo , sociedade civil como "o cidadão , os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados , suas redes e suas organizações".

Além de ser uma definição muito ampla que abarca qualquer tipo de movimento social, até mesmo os "não institucionalizados", os parlamentares temem que o Palácio do Planalto se aproveite dessa amplitude conceitual para organizar, através da Secretaria Geral da Presidência da República, chefiada pelo ministro Gilberto Carvalho , os próprios conselhos , manipulando suas decisões. Uma das tarefas de Carvalho é, pelo decreto que define seu ministério , atuar "no relacionamento e articulação com as entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de in ter esse do Poder Executivo ".

Mesmo os partidos mais fisiológicos da base aliada re agem a tentativas de enfraquecer os fundamentos democráticos porque sabem que, num governo autoritário, ser á menor sua influência e maior a força política do PT . O principal responsável por barrar essas tentativas é o próprio PMDB, que tem no DNA a defesa da democracia e impede que o PT ultrapasse limites constitucionais . Essa votação demonstrou que sempre que uma decisão do governo vai de encontro à Constituição ou tenta ultrapassar o Congresso , há uma maioria parlamentar na defesa da democracia representativa, que os petistas estão chamando de "bloco de centro-direita" ou de "centrão ". Boa parte desse "centrão " ficou dissidente do governo e apoiou a oposição na eleição presidencial.

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