quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Míriam Leitão - A divisão do BC

- O Globo

O Copom ficou ontem dividido e por boas razões. Quem votou pela manutenção da taxa de juros olhou os sinais de que a economia está fraca e existem várias razões que atrapalham a recuperação da atividade. Quem votou pela alta olhou a inflação acima do teto da meta e o risco de uma elevação dos preços da gasolina. O BC surpreendeu, poucos esperavam essa decisão.

Subiu apenas 0,25 ponto para dar o sinal de que combaterá a inflação. Isso depois de passar todo o período eleitoral sem subir os juros, vendo o índice estourar o teto da meta e a propaganda oficial acusar os concorrentes de estarem defendendo juros altos quando falavam em combater a inflação. OBC vive, há tempos, o pior dos dilemas da autoridade monetária : inflação elevada com novas pressões inflacionárias ; crescimento baixo com pressões recessivas. Pela inflação, os juros deveriam mesmo subir . A taxa terminará o ano bem perto do teto, mesmo se não houver aumento da gasolina.

Os preços da carne e de outros alimentos continuam pesando no indicador . As cotações em queda de algumas commodities como soja, milho e trigo já ajudaram durante o ano, mas o efeito bom acabou. O câmbio está em alta. Tudo isso traz pressão inflacionária. Pelo nível de atividade, os juros não deveriam subir . Há vários fatores que podem manter o PIB perto de zero. A incerteza sobre o futuro está paralisando os investimentos. E não é apenas a falta de nomes para a área econômica. Para os empresários do setor produtivo não basta a pessoa, é preciso fatos mais concretos para elevar a confiança.

A crise da água está atrapalhando a produção, o preço alto da energia continua incentivando empresas que já têm eletricidade contratada a suspender a produção para vender a energia no mercado à vista. Há especialistas afirmando que a qualidade dos balanços das empresas está se deteriorando rapidamente. O mercado financeiro pode ter momentos de animação ou de queda, mas continuará volátil. A economia real, no entanto, precisa de algo mais sólido para se animar a retomar investimentos. Há uma complicação amais no cenário. Na Petrobras, os gestores têm medo de tom ar decisões, assinar liberações , aprovar pareceres .

Há receio de decidir algo que amanhã poderá ser contestado. Isso está afetando o ritmo de investimento da nossa maior companhia. As empresas automobilísticas estão com grande estoque , o que reduz ainda mais o apetite para in vestir . Como é de hábito do setor , assim que as eleições acabaram as montador as foram pedir ajuda ao governo . Além da manutenção do IPI baixo , elas querem estímulos às vendas .

E ontem mesmo o governo aceitou ajudar . Uma linha de crédito especial ser á liberada no banco Pan, no qual a Caixa Econômica tem parte , para financiar a compra de carro a juro s baixos. No exterior , o FED — o banco central americano — anunciou o fim do ciclo de estímulo monetário . Eles foram saindo à francesa daquela montanha de US$ 85 bilhões que jogavam mensalmente na economia.

Agora, sem essa injeção , a tendência é o dólar continuar subindo. Isso trará mais pressão inflacionária . O nosso Banco Central está com uma posição de quase US$ 100 bilhões de vendas de swaps . Não tem espaço indefinido para continuar usando o mesmo instrumento para evitar a desvalorização do re al. Há um limite . Diante desse quadro, o BC ficou dividido. Venceu o grupo que quis subir juros para dar um sinal de que a política monetária seguirá lutando para derrubar a inflação . Mas três votaram pela manutenção da taxa .

Alguns podem interpretar a decisão como um sinal de que o BC, finalmente, terá autonomia no segundo mandato da presidente Dilma. Ainda que isto seja o oposto do que defendia a candidata .

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