sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Míriam Leitão: Realidades paralelas

- O Globo

Há duas visões da economia, como realidades paralelas, disputando a eleição. Para o ministro Guido Mantega o mundo ainda está em crise, o que justifica o baixo crescimento do Brasil. Já para o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, a economia mundial foi derrubada em 2009 e vem se recuperando, embora haja casos específicos de fraqueza. A estagnação brasileira deste ano, portanto, teria explicações locais.

Reuni os dois ontem no meu programa na Globo News para um debate sobre a economia. O combate à inflação, segundo Mantega, cumpre sua meta desde 2011. O IPCA tem se mantido alto pelas commodities e também pela seca este ano. Armínio acha que a inflação é elevada demais para um país com a história do Brasil. A alta dos preços tem sido combatida indevidamente e isso explica o indicador estar sempre tão perto do teto da meta ou acima dele. Mantega lembra que o governo Fernando Henrique terminou com a inflação de 12%. Já Armínio diz que a alta de 2002, último ano de mandato de FHC, se deveu ao medo em relação ao futuro governo Lula. Fernando Henrique foi quem venceu a hiperinflação, registrou. Mantega acha que o Brasil foi um dos países que mais cresceu desde a crise financeira internacional, com o sexto melhor desempenho do G20, comparável à Coreia.

Ele prefere não se concentrar na previsão de crescimento para 2014, perto de zero, e usa a média de 2008 para cá. O resultado, assim, é inflado pelo dado de 2010, no governo Lula, quando o país cresceu 7,5%. Armínio ressalta o desempenho do governo Dilma, que vai completar quatro anos com uma taxa média de crescimento de 1,6% do PIB ao ano, caso se confirme a previsão atual de 0,3% de crescimento. Durante o segundo mandato de FHC, do qual foi presidente do Banco Central, o país cresceu 2,1%, destaca. O desempenho foi afetado, ressalva, por crises externas e internas.

Mas Armínio acha que o país não cresce agora porque há um problema de oferta decorrente da crise de confiança na economia. O ministro da Fazenda apresentou uma lista do que o governo tem feito para incentivar a atividade, como as medidas contracíclicas de expansão do crédito através dos bancos públicos para consumo e investimento. Mantega ressalta que, mesmo na crise, o Brasil manteve o desemprego em queda e a renda crescente. Armínio elogia a queda do desemprego. Mas se diz convicto da ineficácia do atual modelo, que não faz o país crescer. Acha que há pouca transparência nos gastos públicos, com destaque para o custo do juro subsidiado dos bancos estatais.

Como não está sendo eficaz para embalar o crescimento do país, a atuação deles precisa ser discutida. Armínio acredita que, depois de passada a fase aguda da crise, os bancos públicos deveriam ter se retraído . O que se gasta nos subsídios ao BNDES, destacou, equivale ao custo do Bolsa Família e do Minha Casa Minha Vida somados . Para o representante do governo, o país está em situação fiscal boa em to dos os indicadores. Ruim , ataca, foi o período de FHC, quando a dívida líquida subiu, movimento contrário ao atual. Armínio acha que a situação fiscal está mal e que, pior, há "pedaladas", ou seja, mudanças de critérios de contabilidade ou dívidas entre entes públicos, o que macula os indicadores.

O ministro acusa o governo anterior de deixar os bancos públicos quebrados. Armínio afirma que Caixa e BB foram entregues saneados em 2002. Mantega criticou o tripé macroeconômico (meta de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante), sem especificar quais pernas lhe incomodam. Disse que só os fundamentos não são suficientes em momentos de crise e lembrou o juro alto praticado pelo seu oponente quando esteve no BC. Armínio interpretou haver um "fetiche" do debatedor em relação ao governo FHC. Os dois acham que o país pode retomar o crescimento em breve.

Mantega pensa que as medidas contracíclicas deram certo e que as concessões de infraestrutura feitas pelo governo funcionaram. Programas para impulsionar investimentos têm tido destino semelhante, acredita. Armínio rebate. Mesmo com todo o dinheiro liberado pelo BNDES, o Brasil investe menos. Ele imagina o país crescendo não apenas 1%, mas 4% ou mais se for restaurada a credibilidade e os empresários voltar em a investir.

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