domingo, 26 de outubro de 2014

O momento é de conciliação – O Globo / Editorial

• Dividir o país prejudica todos, a começar pelo próximo presidente. Apesar da agressividade da campanha, tem de haver o convívio civilizado entre forças políticas

As eleições de 2014 têm características marcantes. Como no momento histórico da volta dos civis ao poder, em 1985, ainda pelo voto indireto, o país sofreu o baque de uma tragédia. Naquele tempo, foram a agonia e a morte de Tancredo Neves, eleito e não empossado, substituído pelo vice José Sarney. Quase 30 anos depois, enquanto os candidatos iniciavam a disputa, ocorreu o trágico acidente aéreo com Eduardo Campos, candidato pelo PSB, presidente do partido, ex-governador de Pernambuco.

O destino colocou Marina Silva, sua vice, na corrida presidencial — tudo o que o PT, há quase 12 anos no Planalto, não desejava, depois dos 20 milhões de votos que a ex-petista e ex-ministra de Lula obteve em 2010 sob a legenda do PV. Sem conseguir fundar o próprio partido, a Rede, Marina se aliou a Campos, e uma fatalidade ressuscitaria seu planos políticos para 2014.

A campanha recebeu uma overdose de emoções enquanto Marina, como temia o PT, era confirmada pelas pesquisas como grande e real ameaça ao projeto petista de manter Dilma Rousseff por mais quatro anos no Planalto e, assim, completar quatro mandatos consecutivos no controle do Executivo.

Neste ponto, a campanha começou a ganhar em agressividade, e passou a se aproximar do que foi o segundo turno das eleições de 1989, as primeiras com voto direto depois do fim da ditadura militar.

Naquele embate entre Fernando Collor e Lula , o PT foi vítima de golpes abaixo da linha de cintura, desfechados pela equipe do político alagoano, vencedor do pleito para vir a sofrer impeachment três anos depois.

A vítima de 1989 seria o algoz em 2014. Já na reeleição de Lula, em 2006, o PT dos aloprados aderira ao vale-tudo eleitoral. O modelo de campanha continuou o mesmo, mas se sofisticou nas técnicas de “desconstrução” dos adversários, sob o comando da marquetagem política, com a mobilização de ferramentas digitais à disposição na internet e fora dela.

A campanha de 2014 resvalou para a infâmia quando, por exemplo, explorou a relação política e pessoal entre Marina e Neca Setúbal, especialista em Educação, mas usada pelos petistas por ser herdeira do Itaú-Unibanco.
Ou ao transformar a aceitável veemência com que o tucano Aécio Neves debateu com Luciana Genro e Dilma, na TV, numa ameaça dele contra mulheres, assunto que passou a ser explorado, de forma sibilina pelo discurso petista. Há outros exemplos de vilanias.

Outro aspecto pernicioso das eleições de 2014 foi a exploração do perigoso e conhecido discurso de divisão do país entre “nós” e “eles”, entre Norte/Nordeste e o resto do país, entre ricos e pobres.

Trata-se de um viés que prejudica todos. O país e, em particular, o presidente que sai hoje das urnas, herdeiro de um extenso inventário de ressentimentos e que precisa governar no efetivo sentido da palavra.

A agressividade desmedida da campanha coloca a sociedade e, em especial, os políticos diante da imprescindível necessidade de desarmar espíritos e construir bases para um convívio civilizado.

Nada deve interessar a qualquer força política, vitoriosa ou derrotada, a não ser a conciliação, com o devido respeito às leis, às instituições. Independentemente do número de votos que tenha esta ou aquela corrente político-ideológica.

O Brasil completa 26 anos, um quarto de século, sob a vigência do estado democrático de direito. A sétima eleição geral consecutiva depois do fim da ditadura, com voto direto, solidifica esta marcha. Mas ela precisa ser sancionada no exercício cotidiano dos mandatos concedidos pelo voto popular, sem conflitos que não sejam aqueles normais em qualquer democracia, mediados pelas regras constitucionais aplicadas pelos poderes republicanos.

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