segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Renato Janine Ribeiro: Muita coisa precisa mudar

• Devemos separar eleições federais e estaduais

- Valor Econômico

Muita coisa precisa mudar no formato das campanhas. Não sou dos que consideram nosso sistema eleitoral uma calamidade. O problema maior está nas escolhas legislativas. O senador tem mandato muito longo e uma boa chance de passar o cargo, em algum momento, a suplentes desconhecidos de quem votou neles. Deputados e vereadores são escolhidos com os eleitores sabendo pouco a seu respeito. Mas nossas eleições presidenciais me parecem quase modelares.

Após a experiência Collor de eleição solteira, passamos a casar a escolha do presidente e do legislativo federal. Um aventureiro terá dificuldade de vencer. Ao longo de um ano, pelo menos, os principais postulantes são submetidos a uma bateria de questionamentos - quase um bombardeio - que no final das contas faz que só os realmente capazes permaneçam: os que têm a melhor liderança política. A governabilidade geralmente se define antes da eleição. Quem não tiver apoios consistentes dificilmente chega lá. Sem demérito para Marina Silva, ela é a exceção confirmando a regra. Assumiu a candidatura a pouco tempo do pleito, e com isso foi poupada do pior: algo como os três anos de ataques a Dilma, os 12 meses de ataques a Aécio - que foram chamados de tudo o que é ruim, mas sobreviveram. Mesmo assim, em menos de 50 dias, bastante coisa se discutiu e se soube a respeito de Marina, seus méritos, suas limitações. É assim que tem de ser.

Mas, feito o elogio, muito precisa mudar. O pior é a relação entre o candidato e o eleitor, que é o ponto central de tudo. Os contatos presenciais, como os comícios, foram perdendo importância. A propaganda se faz cada vez mais pela televisão, rádio e internet. E aqui temos várias questões. Começo pelo horário eleitoral. Na eleição aos cargos majoritários de presidente, governador, prefeito e senador, os postulantes passam por uma grande exposição, mas sem debate e com frequência dizendo tudo igual. Apela-se à emoção mais do que à razão. Daí que as campanhas custem caro, dando dinheiro a marqueteiros, quimeras vazias a eleitores e contratos polpudos a financiadores. Isso tem de ser revisto.

Em poucos anos, poderíamos chegar a uma campanha de formato novo. O candidato se reuniria com grupos de eleitores para discussões focadas, transmitidas pela internet. A rede mundial substituiria com vantagem a televisão, baixando os custos com marqueteiros. Isso dispensaria os grandes financiadores de campanha, que são o que corrompe o sistema político, e fortaleceria o compromisso do candidato com um eleitor que será também um e-leitor. Um ano atrás, tínhamos 110 milhões de internautas e 130 milhões de eleitores. Logo teremos mais internautas do que votantes. A meta da inclusão digital deve garantir que todo cidadão tenha terá acesso à internet.

Segundo ponto: os debates precisam ser uma pedra de toque da campanha. Neles, os candidatos são expostos a um contraditório que não tem lugar no horário gratuito. Mas os debates não têm passado de shows, às vezes de má educação. Até presenciamos bate-bocas, como no debate da Record em que Levy Fidelix surfou na homofobia. Infelizmente, com isso o que guardamos na memória é o folclore. A meu ver, o melhor da campanha foram as entrevistas - duras - de William Bonner e Patrícia Poeta. 

Mas ficamos numa situação difícil. Se jornalistas comandam o debate, há o risco de facilitarem para um lado, não sendo poucos os casos de parcialidade deles. Já se um candidato pergunta para outro, podem fazer tabelinha ou, mesmo, ignorar o tema proposto. Aécio Neves, interrogado sobre o episódio em que recusou fazer o teste do bafômetro, mudou rápido de assunto. E Everaldo chegou, no debate final, a simplesmente ignorar o tema que lhe cabia e perguntar a Aécio outro inteiramente diferente - o que levou Bonner a passar um pito no pastor. Penso que precisa haver muitos debates e que devem constituir uma viga-mestra da campanha, mas o formato atual ainda não é satisfatório.

Terceiro: separar as eleições federais das estaduais. Sou contra a proposta de coincidência entre todas as eleições - incluindo até mesmo as municipais. Ora, se o número de cargos em disputa num ano como o atual já é alto, dificultando a boa escolha, por que e para que aumentá-lo? E sobretudo, este ano mostra que tudo se concentrou na eleição presidencial. Os governadores passaram batido. Vamos votar neles com pouca discussão. Para não falar dos parlamentares.

Uma solução simples seria realizar dois pleitos em sequência. Por exemplo, as eleições estaduais seriam em setembro, após dois meses de campanha, e as federais em novembro. Ou vice-versa. Teríamos então um período eleitoral mais longo, mas nem tanto assim. O eleitor ungiria governantes em separado, com maior tempo para discutir seus nomes e propostas, mas perto o bastante para que uns e outros representem o mesmo momento histórico.

Poderíamos, além disso, aproximar a eleição e a posse dos eleitos. Não há razão para ficarmos de dois a três meses com um governante que já foi substituído pela vontade popular. Nos países parlamentaristas, a posse é no dia seguinte à eleição. Seria bem razoável iniciar o mandato uns 15 dias após o segundo turno.

Finalmente, isso credenciaria o eleito a participar da decisão sobre o orçamento para seu primeiro ano de governo. Hoje, ele assume com uma lei orçamentária feita pelo Executivo e Legislativo em final de mandato. Tal situação só prejudica o novo governo, que tem seu início determinado por prioridades que já não são as do eleitorado.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

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