quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Zuenir Ventura: Um campo de batalha

• Não por acaso têm estado tão presentes no noticiário e nos comentários políticos a linguagem bélica e as metáforas de guerra como "tiroteio", "batalha", "alvo"

- O Globo

Para falar de intolerância, Millôr Fernandes usava o futebol e dizia que só haveria democracia verdadeira no dia em que os vascaínos pudessem torcer para seu time no meio dos flamenguistas, e vice-versa. Se tivesse tido tempo de assistir à atual campanha presidencial, não precisaria buscar exemplo no esporte. A diferença é que a política tem sempre o pretexto de uma causa nobre: o bem do país. Pode-se alegar que sempre foi assim e que há precedentes piores, com as disputas partidárias levando a atentados, crimes e até a suicídio de presidente. Mas acreditava-se que a situação inédita de agora, com duas damas dignas e ainda por cima ex-companheiras de partido e de governo, permitiria uma disputa de alto nível, mais civilizada, com mais respeito mútuo. Que nada. Os debates se transformaram em embates; as críticas em denúncias; as discordâncias em acusações.

Não por acaso têm estado tão presentes no noticiário e nos comentários políticos a linguagem bélica e as metáforas de guerra como "tiroteio", "batalha", "alvo", "bombardeio", "ataques". E a previsão é que piore nessa reta final da propaganda gratuita, quando, segundo Ricardo Noblat, "Dilma, Lula e o PT continuarão com gosto de sangue na boca contra Marina". Outro comentarista, Josias de Souza, para descrever o debate na TV Record, preferiu a comparação com uma violenta luta de boxe, "na qual Marina Silva entrou com a cara. Dilma esmurrou-a e Aécio Neves desfechou-lhe um par de jabs". Isso lembra o que pensa João Santana sobre eleições: "São um combate quase sangrento", onde, pode-se acrescentar, não há muito lugar para escrúpulos éticos. Consultor do PT, ele é considerado um gênio do marketing político. Já conseguiu comandar três vitoriosas campanhas ao mesmo tempo: de Danilo Medina, na República Dominicana; de Hugo Chávez, na Venezuela; e de José Eduardo dos Santos, em Angola. Pertence, portanto, ao rico time de craques que o Brasil hoje exporta e que são responsáveis pela construção e venda da imagem dos candidatos, que, às vezes, se limitam a interpretar papéis preestabelecidos por eles, os estrategistas, aos quais interessa mais a forma que o conteúdo.

A Santana é atribuída a virada radical, o endurecimento de estilo da candidata do PT. Nada de Dilminha paz e amor. Tratado como um deus marqueteiro, ele, no entanto, pode não ser infalível. Em abril, disse à revista "Época": "A Dilma vai ganhar no primeiro turno porque ocorrerá uma antropofagia de anões. Eles vão se comer lá embaixo e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo." É possível que o mágico acerte mais uma vez, mas não como esperava. Pelo menos um anão, ou melhor, uma anã, está dando mais trabalho do que o previsto, sendo alvo dos dois gigantes.

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