sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Claudia Safatle - Ajuste fiscal requer reformas estruturais

• Gastos sociais já competem entre si, diz Nelson Barbosa

- Valor Econômico

O candidato do PT para o Ministério da Fazenda é Nelson Barbosa, informou um alto dirigente do partido. O nome do ex-secretário-executivo da Fazenda é, para o PT, o mais adequado aos compromissos assumidos durante o segundo turno das eleições, de fazer um ajuste na economia que não gere desemprego (que já em está curso) nem queda da renda. Isso não significa que uma eventual escolha do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para o posto piore o relacionamento de Dilma Rousseff com o partido. "Não há veto, mas preferência", explicou a fonte.

Barbosa tem o aval do partido, mas não teria a boa vontade dos mercados como Henrique Meirelles, testado durante oito anos na presidência do BC. Meirelles na Fazenda representaria um choque de confiança para o governo e ganharia um tempo de "lua de mel" com os mercados até as mudanças de rumo da economia começarem a aparecer.

Para Tombini e Barbosa o tempo é mais escasso. Meirelles é visto como alguém com autonomia para definir a nova política econômica que levará o país à retomada do crescimento. Aos outros dois não se atribui, no mercado, o mesmo grau de liberdade.

Em qualquer caso e mesmo em uma quarta alternativa a prioridade será a mesma: recuperar a capacidade de o país crescer a partir de 2016 - 2015 não será um ano fácil e a expectativa de expansão é ligeiramente melhor do que o quadro de estagnação de hoje.

Independentemente do nome que Dilma anunciar, a opção será pelo gradualismo no ajuste fiscal, necessário para recolocar a trajetória da dívida pública, hoje crescente em relação ao PIB, rumo à estabilidade. A economia está frágil para um choque fiscal de grande monta, mas também não suporta um ajuste imperceptível.

Como economista, Barbosa tem se dedicado ao diagnóstico e às sugestões para o enfrentamento dos problemas econômicos e, em particular, da desordem nas contas públicas. Sua primeira constatação é de que o desequilíbrio fiscal chegou a tal ponto que os gastos sociais concorrem entre si e não mais com o pagamento de juros da dívida, por exemplo.

Em um texto apresentado ontem, em um encontro de CEOs em Campinas (SP), o ex-secretário fez uma síntese do que vem propondo nos últimos meses, no tocante ao conflito entre os gastos sociais: "É preciso reformar os programas do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] para que o salário mínimo continue crescendo de modo sustentável. É preciso que o salário mínimo real cresça moderadamente para evitar um aumento explosivo do gasto com previdência social. E também é preciso retomar a discussão previdenciária para estabilizar tal gasto em um percentual do PIB e liberar mais recursos para a saúde e educação sem elevar substancialmente a carga tributária."

A referência aos programas do FAT representa mudanças legais nas regras de acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial, despesas cujo crescimento têm sido exorbitante nos últimos anos.

Segundo técnicos do governo, é possível com um acesso mais restrito a esses programas e combate a fraudes economizar algo como 0,7% do PIB, cerca de R$ 36 bilhões até 2018. Considerando que essas medidas demandam aprovação do Congresso, elas só começariam a surtir efeito a partir de 2016.

Outra despesa que deve passar por uma ampla reformulação é a das pensões por morte, que custam aos cofres públicos, nos três níveis de governo - federal, estadual e municipal -, 3% do PIB, cerca de R$ 156 bilhões. Como a alteração das regras de concessão dessas pensões seriam só para os novos requerentes, daria para economizar 0,5% do PIB até 2018.

O pano de fundo da discussão fiscal é, para Barbosa, o esgotamento das ações conjunturais, como o contingenciamento de gastos. O resultado primário recorrente é deficitário. Agora, só reformas estruturais vão restabelecer a disciplina fiscal, a começar da previdência.

O superávit primário possível para 2015 é de até 1% do PIB, segundo prognósticos feitos por técnicos, supondo que para este ano o saldo será zero ou de um pequeno déficit e que todas as contas atrasadas serão quitadas para Dilma começar o novo mandato com as contas em dia.

Para obter esse resultado conta-se com gasto menor com energia e redução dos investimentos - esses devem passar de 1,2% do PIB este ano para algo em torno de 0,8% do PIB em 2015. Em todo o início de governo o ritmo dos investimentos cai, alegam os técnicos. Espera-se também a elevação da Cide, dentre outros.

Como a economia brasileira passa por um ajuste de preços relativos - de energia elétrica, combustíveis, transportes urbanos e câmbio -, os juros terão que subir mais para levar a inflação para a meta de 4,5% em 2016, conforme compromisso do BC. A taxa Selic deve aumentar para pelo menos 12% ao ano, segundo o texto de Barbosa.

As metas fiscais para os próximos anos vão determinar o tamanho da depreciação da taxa de câmbio e do aperto monetário. Há muito a decidir nos próximos meses, tanto na área fiscal e monetária quanto para a recuperação da indústria.

Do "novo governo, novas ideias" o que se espera é que a presidente tenha clareza da dimensão dos problemas criados na economia nos últimos três anos e que disponha de novo programa econômico para o país.

Há uma estreita vinculação entre os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que apura a corrupção na Petrobras, e a formação do ministério do segundo mandato de Dilma Rousseff. A presidente não quer indicações de nomes que possam, direta ou indiretamente, deixar seu governo vulnerável às investigações. Essa é uma premissa para a ocupação de todos cargos públicos, sejam da área econômica, política ou social.

A cautela para que as investigações do "Petrolão" não contaminem o governo torna a equação mais complexa que se imagina. Isso explica, em parte, a demora de Dilma em anunciar nomes, gastando tempo que não tem.

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