quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Marco Aurélio Nogueira - A direita extremada, esta ameaça mal conhecida

- O Estado de S. Paulo

Trajando suas mais típicas vestes maximalistas, provocadoras e golpistas, a direita extremada está querendo ir para a rua.

Não que estivesse desde sempre ausente dela. Em junho de 2013, tentou mostrar as garras nas manifestações que tomaram conta da cidade, usando os expedientes que a caracterizam: o destempero verbal, a provocação, o autoritarismo, a violência. Foi repelida pelos manifestantes, que não se intimidaram diante dela, mas algum modo ajudou a desmobilizá-los.

A direita extrema que está buscando agora se exibir é um grupo dentre outros, um subgrupo de um grupo maior, mas não se articula com ele. É algo à parte, que tenta ostensivamente se apropriar da alma daqueles que votaram contra o PT nas últimas eleições. Quer ser a vanguarda belicosa do antipetismo, este estado de espírito que cresceu como mato de uns anos para cá.

Procura capturar o sentimento de cansaço, descontentamento e desilusão que há em várias franjas da população contra a má qualidade da política, as falhas da representação e os desacertos governamentais. Quer pegar carona na frustração dos que acharam que Aécio venceria as eleições.

A direita extremada tenta fazer isto a seu feitio: valendo-se do histrionismo, da demagogia barata e da ameaça autoritária, chegando ao limite de falar em golpe e intervenção militar. Faz o jogo sujo de sempre, insuflando pessoas para a “caça aos comunistas” e para a desvalorização da democracia. Descobre até mesmo uma estratégia detalhada para que o comunismo se implante no País e no continente. É uma direita que parou no tempo. Sua linha de frente é integrada por provocadores, alguns abertamente grotescos.

Tanto quanto criticá-la e repeli-la, precisamos compreendê-la. Vê-la como parte da rua, mas não como toda a rua. Esta direita virulenta não é sequer toda a direita, mas um pedaço dela, de tamanho não conhecido. Há muitas “direitas” no mundo, não faz sentido tratá-las como se fossem uma única coisa e sair por aí carimbando liberais e neoliberais como “direitistas”, indiscriminadamente. É muita pobreza intelectual e muita cegueira política.

Em suma, devemos olhar a floresta, não um ou outro galho podre.

Precisamos antes de tudo decifrar o enigma: quem são e o que pensam os que animam esta direita extremada? Qual seu alimento, que chances tem de crescer? Sua cultura pode ser conhecida, mas suas possíveis traduções não o são necessariamente. O fenômeno não é novo no Brasil, mas sua irrupção pública é. Não temos estudos que nos forneçam o identikit desta direita.
Em segundo lugar, uma sociologia das ruas nos ajudaria muito. Quem (indivíduos, grupos, classes) se mobiliza hoje, por quais motivos, quem se deixaria levar por palavras de ordem demagógicas e abertamente regressistas? O que sensibiliza e motiva tais pessoas? Todos os que protestam, hoje, podem ser acomodados numa caixinha escrita “direita”, só porque se manifestam contra Dilma ou o PT?

Disto deriva, em terceiro lugar, a questão de saber por que há pessoas hoje, no Brasil, que estão “desorganizadas” mas dispostas a protestar e a fazer ouvir sua voz. Estas pessoas não aplaudem plataformas antidemocráticas. Podem pedirimpeachment num momento inadequado, sem se dar conta de que este instrumento constitucional precisa ser devidamente processado, não pode ser usado para extravasar suspeitas ou insatisfações. Mas não são “direitistas”. São quando muito pessoas comuns, insatisfeitas, irritadas. Têm todo o direito de ir às ruas. E até de falar em impeachment caso a situação política assim indique.

Por que então ninguém consegue organizá-las em sentido democrático? Onde estão o PT, o PSDB, o PSB, a Esquerda Democrática que não conseguem atrair cidadãos que, em princípio, não concordam com o regressismo da direita extremada mas que poderão se deixar levar por ele?

Eleitores frustrados e, em parte, revoltados com a perspectiva de que tudo continue como dantes e de que o sistema político siga envenenado, são personagens democráticos como outros quaisquer. Fazem bem à democracia, funcionando como um mecanismo de controle social e de crítica ao poder. Mas precisam ter referências e recursos de mobilização e ação.

Os que foram à rua no último sábado, em São Paulo, não são “de direita”. Também não são tucanos, ainda que possam ter votado em Aécio Neves. Não sabemos bem quem são e deveríamos humildemente reconhecer isto, no mínimo para evitar generalizações. O que sabemos é que um pequeno grupo de direitistas extremados procurou manipulá-los, roubando-lhes a indignação para impulsionar propostas antidemocráticas.

Estes direitistas, seus intelectuais de plantão, seus ícones, assim como os que aceitam suas modalidades de pensamento e ação, não integram a oposição democrática. Não são do PSDB, nem do PSB, nem do PPS ou do PSol. Fazem bem, portanto, os partidos democráticos em se dissociarem claramente deles. Como fez Xico Graziano, por exemplo: “Existe no Brasil uma ideologia própria da direita que se encontra desamparada do sistema representativo, quer dizer, sem partido político. Sua força se mostra na rede da internet. Essa corrente luta para destruir o PT, acusando-o de querer implantar o comunismo por aqui. Defendem as liberdades individuais, combatem a corrupção organizada no poder, desprezam as lutas sociais, mostrando-se intolerante com o direito das minorias. (…) Na complexidade do mundo contemporâneo anda difícil rotular os partidos, e as pessoas, como de “direita” ou de “esquerda”, categorias válidas no século passado, mas ultrapassadas hoje em dia.

 De qualquer forma, quem concordar com as teses dessa turma aguerrida que vê o comunismo chegando, é contra os benefícios sociais, sonha com a ordem militar, por favor, deixem o PSDB.”

Que se multipliquem manifestações como estas. Que se separem e se distingam as posições. Isto é decisivo para que se ponha um pouco mais de ordem nos alinhamentos políticos e ideológicos.
Isto deve valer para todos, vencidos e vencedores.

Moderação, sensatez e disposição para dar direção política à sociedade devem ser exigidas do PSDB e de seus aliados. Eles precisam mostrar determinação para ocupar um espaço e organizar o debate público. Devem atuar democraticamente como oposição política ativa, colar-se aos movimentos e humores da sociedade, colaborar para que se resolvam os problemas do País. Aécio Neves, ao voltar ao Senado, disse integrar “um grande exército a favor do Brasil e pronto para fazer a oposição que a opinião pública determinou”. Um exército faz guerra, não amor.

Deveria suavizar a linguagem.

Mas o PT e sua combativa militância precisam dar idêntica contribuição. Parar, por exemplo, de distribuir acusações, de estigmatizar seus adversários e de atribuir a eles a responsabilidade pela emergência da direita extremada. Quanto menos sectarismo e intolerância, melhor. Deveriam também fazer o possível para segurar seus próprios extremistas, que não são muitos mas costumam fazer muito barulho. E desativar o discurso maniqueísta que separa o Brasil em “povo petista” e “elites tucanas”, que foi incorporado por muita gente e só ajuda a emburrecer e a excitar, além de ser paralisante.

Deste ponto de vista, nada mais surpreendente e prejudicial do que a nota do PT (04/11/2014) conclamando a militância “às armas “ para combater os “fantasmas do passado” que buscam criar um “terceiro turno” na eleição presidencial. Serve somente para colocar a tropa nos cascos, “armando-a” com argumentos e estímulos “para rebater a ignorância nas redes e nas ruas”.

Contrapõe-se frontalmente ao mandato e à responsabilidade que o partido recebeu das urnas.

Em seus primeiros passos como presidente reeleita, Dilma parece estar inclinada a fazer tudo aquilo que abominou e criticou em seus adversários (Marina e Aécio): cortes de despesas, elevação de juros e preços, empresários e banqueiros no comando da economia. Há um anticlímax no ar. Ela terá de mastigar o mesmo veneno que inoculou nos adversários. Neste quadro, a insatisfação tenderá a crescer. A militância dilmista poderá se frustrar e sair em busca de um bode expiatório, pondo mais fogo nas ruas.

Democracia é conflito, tensão e luta. É ruído, não silêncio. Ação, não passividade. Contudo, sem um mínimo de cálculo político, organização e bom senso a vida democrática não se sustenta e pode terminar por embalar seu pior pesadelo: a violência e o autoritarismo sem freios.

A extrema-direita está aí, buscando ganhar espaço. Como os democratas podem enfrentá-la? A tática de hipertrofiá-la, de apresentá-la como se estivesse em forte e categórica expansão, não é somente um equívoco político: é um desrespeito à realidade e à verdade dos fatos. É agitação, não análise política.

 Faz uma clonagem ao reverso da fraseologia direitista que vê o comunismo como prestes a ser instalado no País. Agiganta e estimula um ator que somente respira em condições de exacerbação dos espíritos.

Opor-se à direita extremada é algo que depende de fortalecimento democrático, no plano institucional, político e cultural. Passa por convergências e consensos que funcionem como filtros, divisores de águas e anteparos. Quanto mais polarizado o quadro, maior será o campo de ação para a direita, menos isolada se sentirá ela.

As ruas estão sempre sendo disputadas. A direita extremada é somente um dos protagonistas.

Ela cresce no vácuo. Se os demais deixarem, a disputa enveredará por caminhos que não interessam à democracia.

Cientista político e professor da teoria política na UNESP

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