sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Maria Cristina Fernandes - Linha de corte

• Governo perdeu um aliado na busca por limites à investigação

- Valor Econômico

O Brasil tinha acabado de aderir à convenção de combate à corrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quando o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos tomou a iniciativa de colocar num mesmo balaio 60 órgãos públicos e privados que cuidam de prevenção, controle e punição dos crimes de lavagem de dinheiro.

Corria o primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O balaio, nominado Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, criou a rede de troca de informações que ajudou a deflagrar grande parte das operações policiais de lavagem de dinheiro da década, inclusive aquela que quase varreu o governo ao qual serviu.

Foi na condição de maior conhecedor das iniciativas de combate à lavagem de dinheiro, e de reformador do Judiciário e da Polícia Federal que o ex-ministro liderou a banca de advogados que defendeu mensaleiros e, agora, aquela que se reuniu para salvar as grandes empreiteiras.

Seu escritório participou ativamente das negociações que tentaram levar réus sem foro privilegiado para o Supremo. Cumpriu, nesse papel, uma missão que também é acompanhada com grande expectativa pelo entorno da presidente Dilma Rousseff.

O que os une é a chamada linha de corte - momento em que investigadores, juízes e CPIs vão riscar o chão e determinar que além dali não se vai. É sempre assim e continuará sendo. Vide o mensalão.

É este o sentido, por exemplo, das iniciativas do governo na tentativa de limitar os efeitos da inidoneidade.

Ainda que a presidente alinhe-se, em público, com a missão da força-tarefa de Curitiba, teme-se, no coração do governo, que sua ação, levada ao limite, possa paralisar a carteira de obras do país - e não apenas do governo federal - e adiar, ainda mais, a retomada do crescimento.

Num setor sem empresas de capital aberto, a governança é matéria-prima sempre em falta. A escassez de empresas estrangeiras deve-se, entre outras razões, ao cerco de leis internacionais que punem, na matriz, corrupção praticada no exterior. A demora do Brasil em seguir a legislação estrangeira blindou o mercado nacional e ajudou a lhe propagar vícios.

Na descrição de um empreiteiro médio, o varejo das empresas de fiscalização contratadas por grandes obras é facilmente cooptado. E, no atacado, o Tribunal de Contas da União, para dar conta do serviço, teria que empregar metade da população brasileira.

A imagem de presidentes e herdeiros de empreiteiras marchando para a carceragem da PF introduz o risco no negócio e pode forçar uma adesão mais acelerada a regras que, de tão pouco usuais no Brasil, continuam a ser nominadas pelo termo 'compliance'. Mas os envolvidos na Lava-Jato não têm a ilusão de que a operação vai dotar o setor de repentina transparência. E por mais que a entrada de empresas médias em grandes obras possa oxigenar o setor, o tamanho, nesse negócio, não é inversamente proporcional à governança.

Marcio Thomaz tramitava como poucos nas três pontas desse negócio: o contratante, as contratadas e a operação que investiga e julga ambas. São poucos os nomes com trânsito igual. O ex-ministro Nelson Jobim transita em duas das pontas, mas não tem o mesma desenvoltura no Planalto.

A vaga custará a ser preenchida, mas a ansiedade em definir a Fazenda busca ocupar um vazio ampliado pela Lava-Jato.

Um interlocutor da presidente da República lamenta a recusa de Luiz Carlos Trabuco à sondagem com a explicação de que o presidente do Bradesco seria capaz de baixar a temperatura que, já elevada no mercado pelos rumos da transição, foi esquentada pela Lava-Jato e pelo golpismo recalcitrante.

A busca de um selo de qualidade do mercado para a vaga distinguiu as reações de Dilma e de seu antecessor aos escândalos de corrupção que marcaram seus governos.

A primeira mexida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva depois da denúncia do mensalão foi a escolha, para o ministério do Trabalho, do então presidente da CUT, Luiz Marinho. Sindicatos e movimentos sociais seriam os primeiros a sair em defesa de seu governo.

A busca de Dilma por um nome do mercado deveu-se à necessidade de o governo reconquistar posições na guerra de expectativas e estancar a onda de descrédito que pode levar o país a perder o grau de investimento e o valor de sua moeda. Dilma parecia convergir com Lula na percepção de que o ajuste a ser conduzido por uma equipe econômica mais tarefeira que criativa é o tranco que o país precisa para retomar o crescimento e manter as chances de o PT segurar o poder.

Se a presidente acabar optando por um nome sem o mesmo aval do mercado custará a por em curso a estratégia planejada que passa por um nome que traga o verniz da confiança mas se submeta à cartilha exposta nos principais experimentos fiscais da transição.

O ganho percentual do Fundo de Participação dos Municípios, a troca no indexador da dívida de Estados e municípios e a redução na meta de superávit foram um indicativo de que a presidente, antes de entregar a carta branca à nova Fazenda, decidiu manter salvaguardas que lhe garantam apoio político para segurar os ajustes que vêm por aí.

Se a federação já ganhou um bote salva-vidas, o mesmo não se pode dizer de movimentos sociais. Sem mais espaço para desafogar o investimento com desonerações, a presidente será pressionada a ceder no custo do trabalho. A pauta inclui terceirização da mão de obra, prevalência de acordos negociados em detrimento do que prevê a legislação e a redução do prazo de prescrição do reclamo de direitos trabalhistas. A pressão só não afundará a lei que prevê o reajuste do salário mínimo com base no crescimento da economia porque o país parou. Para avançar, esta pauta conta com um Congresso enfraquecido de lideranças sindicais.

Na nova conformação de alianças sociais, o único bote já garantido parece ser o do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), o mais aguerrido movimento surgido nos últimos anos. A meta do Minha Casa Minha Vida não apenas foi ampliada no orçamento como o valor das unidades será reajustado, o que deve manter o interesse das construtoras na empreitada que parece ser a única, da construção, a ter encomendas a salvo de operações policiais.

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