terça-feira, 11 de novembro de 2014

Merval Pereira - Exemplo para o mercado

- O Globo

Não espanta, embora cause desconforto, a revelação do jornal inglês "Financial Times" de que também o Departamento de Justiça dos Estados Unidos abriu uma investigação criminal sobre a estatal brasileira Petrobras, para saber se houve pagamento de propina a funcionários da estatal ou violações à lei americana de combate à corrupção.

Assim como sua similar americana, a Securities and Exchange Commission (SEC), também a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está investigando o caso, embora com uma postura de discrição que talvez não seja muito educativa para o mercado. Há uma ressalva na legislação que diz que o inquérito é sigiloso, salvo quando sua divulgação servir para "educar o mercado", que seria justamente o caso, para demonstrar que uma estatal é investigada como qualquer outra empresa da Bolsa. A Petrobras, até o momento, está nesse caso como vítima de seus ex-diretores, pois há na lei um dispositivo que diz que o administrador da companhia tem o dever de lealdade a ela, e não pode, em detrimento do inter esse da companhia, beneficiar a si próprio ou a qualquer terceiro.

À medida que administradores da Petrobras desviaram recursos para pagar propina, ou receberam propinas para aprovar investimentos superfaturados, eles estão lesando a companhia e devem ser investigados. Entre o 1º e o 2º turnos da eleição presidencial, a CVM requisitou todos os documentos que uma comissão interna da Petrobras levantou sobre o esquema de corrupção na estatal, revelado em depoimentos à Justiça em delação premiada pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef. O pedido foi o primeiro passo do processo administrativo que a CVM abriu, motivado pelo noticiário sobre o depoimento dos dois. Já no dia 14 de outubro, a Petrobras respondeu a um questionamento feito pela CVM quatro dias antes, informando que estava colaborando com as investigações e que era reconhecida como "vítima" no processo criminal.

Dois dias depois, em resposta a novo questionamento da CVM, a Petrobras anunciou que abrira Comissões Internas de Apuração, e que um dos principais objetivos seria o ressarcimento dos prejuízos causados pelos eventuais desvios de dinheiro. A compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EU A), foi o1º caso denunciado, e ganhou notoriedade porque, contrariamente à versão oficial da estatal, Dilma, que era a presidente do Conselho de Administração da Petrobras à época, revelou que considerava a compra um péssimo negócio e que não o teria aprovado se soubesse na ocasião as condições.

A partir daí, o caso ganhou contornos políticos importantes, até que uma CPI foi aberta no Congresso para apurar os fatos. A refinaria Abreu e Lima, em PE, é outra obra superfaturada no esquema de financiamento de políticos e partidos, e ontem se ficou sabendo que a propina que Paulo Roberto Costa recebeu para aprovar a compra foi de US$ 1,5 milhão, e não de reais, como revelava ingenuamente a primeira versão. Um número grande de deputados e senadores está envolvido no esquema, além de PT, PP e PMDB, como partidos políticos detentores da indicação dos diretores que operavam o esquema criminoso. Como têm foro privilegiado, os casos envolvendo políticos e governadores estão sendo encaminhados para o Supremo Tribunal Federal (STF) ou para o STJ.

O ministro Teori Zavascki é quem está centralizando as informações no Supremo, e coube a ele referendar a delação premiada do ex-diretor da Petrobras, que já recebeu o benefício de prisão domiciliar. O fato de o Departamento de Justiça dos Estados Unidos estar investigando criminalmente o caso, e a SEC também, no âmbito da Bolsa de Valores de Nova York, é uma garantia de que os envolvidos não ficarão impunes , pois, por enquanto, as investigações da CPI do Congresso não foram adiante , boicotadas pela bancada majoritária do governo — o mesmo governo que jura, pela boca da presidente reeleita Dilma Rousseff, que não deixará "pedra sobre pedra" nessa investigação e punirá os responsáveis , "doa a quem doer".

Até a oposição entrou num jogo de compadres com o PT, em boa hora desautorizado pela direção nacional do PSDB. Como não há um histórico muito satisfatório no Congresso sobre punições a companheiros — veja-se o caso do deputado André Vargas, cujo processo de cassação já foi adiado seis vezes na Comissão de Ética da Câmara —, espera-se que o Supremo aja com a mesma imparcialidade demonstrada ultimamente, e que a CVM tome as medidas necessárias, para que não fiquemos dependentes de instituições de outro país para punir nossos criminosos.

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