terça-feira, 4 de novembro de 2014

Míriam Leitão - O ano duplo

- O Globo

O ano de 2014 não acabou e o de 2015 já começou para a presidente Dilma. Em menos de dois meses ela terá que consertar estragos econômicos e políticos dos últimos meses, enquanto monta o seu ministério gigante. Terá que aprovar a nova meta fiscal, porque a deste ano não será cumprida, enquanto negocia a aprovação do Orçamento do ano que vem.

Tudo isso em fim de legislatura, com alguns políticos da base rebelados porque perderam mandatos, e outros fingindo desagrado para ganhar recompensas. Os parlamentares têm todos os motivos para dificultar a vida do governo. A pauta lotada do ano irregular — em que o Congresso mal compareceu e no qual a presidente também não foi assídua no seu local de trabalho — se juntará às novas urgências do governo. Há uma ansiedade, que se reflete no sobe e desce dos ativos financeiros, pela escolha do novo ministro da Fazenda, como se a vida fosse assim e um nome virasse varinha de condão.

A conjuntura econômica apresenta uma sequência grande de problemas acumulados que ter á que ser resolvida ao longo do tempo. Uma escolha acertada aumentar á as chances de vencer as adversidades, até porque uma parte delas é resultado da profunda crise de confiança na atual equipe. Mas o governo vai optar por mudar algo para ficar tudo na mesma. A maior urgência é aprovar no Congresso a nova meta fiscal, já que o déficit primário de setembro, anunciado sexta-feira, foi a pá de cal na meta registrada no Orçamento de economizar 1,9% do PIB. Mesmo com descontos e receitas extraordinárias, ela não ser á atingida e por isso o governo precisa corrigir seu objetivo. O novo número final das contas públicas deverá ser bem calibrado porque ter á que ser cumprido.

Do contrário, sobre os gestores recairá o peso da Lei de Responsabilidade Fiscal. O Orçamento de 2015 pode perder o prazo e ser aprovado só no ano que vem, mas sobre essa nova meta é o contrário: tem que ser aprovada este ano. Dilma vai, ao mesmo tempo, administrar todas as pressões da sua base, acomodar os múltiplos in ter esses no ministério, negociar aprovação de medidas importantes, barrar iniciativas que elevem gastos, tomar decisões que foram adiadas por causa das eleições, torcer para que a chuva eleve o nível dos reservatórios e tentar recuperar a credibilidade no comando da economia.

Bom, e isso não é tudo. Parte das aflições do ano que vem já chegou e parte do que foi jogado para debaixo do tapete reapareceu neste fim de ano. A primeira semana pós-eleição foi bombardeada pelo aumento da taxa de juros e o anúncio do mega déficit público. As expectativas de crescimento continuam encolhendo e ontem o Focus apontou para alta de apenas 0,24% do PIB em 2014, enquanto a inflação continua muito alta. O Judiciário quer aumento dos salários de ministros dos tribunais superiores, o que produz um efeito cascata de aumento de gastos, e o governo está precisando cortá-los.

Como em todo o final de ano, o governo está sob pressão para atender às emendas dos parlamentares. Só que agora o pedido pela liberação e a tradicional ameaça de aprovação do orçamento impositivo acontecem quando o governo precisa muito que o Congresso aprove medidas como a nova meta fiscal de 2014. No ano que já começou, o de 2015, a presidente terá que enfrentar o desafio de aumentar o ritmo de crescimento econômico, reduzir a inflação, e melhorar as contas públicas.

Tudo isso com um Congresso mais fragmentado. O que reduz a margem de manobra da presidente no enfrentamento dessas questões são as afirmações que fez durante a campanha: a inflação estava controlada, a crise de energia não existia, o país só não crescia por problemas externos e, por último e não menos importante, não seria necessário fazer ajuste fiscal. Como a presidente sempre foi a verdadeira condutora da política econômica dificilmente haverá uma mudança de orientação.
Ela deve manter o modelo atual seja quem for o ministro. Dilma acredita que igual re médio administrado novamente no mesmo organismo terá efeito diferente. O que é altamente improvável. 

Ainda assim, um nome de for a com alguma credibilidade vai reduzir, ao menos temporariamente, a pressão sobre os ativos financeiros. Já será uma ajuda.

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