domingo, 2 de novembro de 2014

No vermelho – Folha de S. Paulo / Editorial

• Setor público acumula deficit inédito desde o Plano Real, o que tornará mais difícil a tarefa do governo de repor a economia nos trilhos

No conjunto de medidas impopulares para recuperar a credibilidade perdida e tentar colocar a economia nos trilhos após as eleições, a alta de juros foi apenas a primeira --e a mais fácil. Agora vem o desafio maior do governo: convencer a sociedade de que as contas públicas estão sob controle.

Na sexta-feira (31) tornou-se conhecido o rombo de setembro, R$ 69 bilhões, o maior da história quando se considera todo o setor público. No acumulado do ano, são R$ 224,4 bilhões (5,94% do PIB) negativos, incluindo os juros.

Quando se toma somente o resultado primário (a diferença entre receitas e despesas antes do pagamento de juros), o quadro é igualmente preocupante. Houve deficit de cerca de R$ 15 bilhões (0,4% do PIB) no período, algo inédito desde o início do Plano Real, em 1994.

Confirma-se o que já era sabido: será impossível atingir a economia prometida de R$ 99 bilhões neste ano. Nem mesmo o recurso à dedução de investimentos do PAC e desonerações, previsto em lei, bastará para deixar a conta no azul.

O governo precisará pedir ao Congresso a ampliação desses descontos, a fim de não descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal --pelo menos formalmente.

A questão mais importante, agora, diz respeito às metas de 2015. Com a arrecadação estagnada e considerado o buraco atual, parece impraticável o saldo primário de 2,5% do PIB estipulado para o próximo ano. O governo deve indicar um caminho suave para restaurar as contas, mas precisará mostrar convicção e retomar o compromisso com a transparência.

Tudo sugere que alguns impostos que não dependem dos congressistas voltarão, como a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), incidente sobre combustíveis. Não se descarta, ademais, que o governo desista de prolongar a redução das alíquotas de IPI sobre automóveis para além de dezembro.

Como medidas tributárias mais amplas dependem do Congresso, o Executivo não pode contar com elas. Grandes cortes nas despesas soam inevitáveis, portanto.

Delineia-se, assim, um ajuste recessivo. Juros mais altos e orçamento austero devem acentuar, no curto prazo, a tendência de baixa na economia, o que era negado pela presidente Dilma Rousseff (PT) em sua versão candidata.

A aposta do governo é que o pacote ortodoxo restaurará a confiança do setor privado, destravando investimentos. Parece difícil, todavia, acreditar que os empresários serão tomados por súbito ânimo.

O arrocho pode comprometer ainda mais a geração de emprego, que já tende à estagnação. Se os postos de trabalho começarem a fechar, Dilma perderá sua última bandeira na economia.

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