sábado, 1 de novembro de 2014

Um país no vermelho - O Estado de S. Paulo / Editorial

As contas públicas brasileiras estão hoje mais esburacadas que as da maior parte dos países da Europa, incluídos alguns dos mais afetados pela crise iniciada em 2008, como a Itália e a França. Levar o País a esse estado foi uma das façanhas mais notáveis da presidente Dilma Rousseff. Nos 12 meses até setembro, o governo central acumulou um déficit equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB), considerado o total de receitas e despesas, incluído o pagamento de juros. O rombo de todo o setor público - União, Estados, municípios e algumas estatais - chegou a 4,92% do valor produzido internamente por todos os setores da economia. No ano passado, a média da zona do euro foi um déficit igual a 3% do PIB. No Brasil, o número em vermelho chegou a 3,9%.

Neste ano, os países do euro devem ter um saldo deficitário de 2,9%, segundo a última projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicada no começo de outubro. A projeção para o Brasil divulgada no mesmo relatório, um rombo fiscal de 3,9%, só será confirmada se as contas do País melhorarem de forma espantosa no último trimestre. De janeiro a setembro, o déficit do governo central atingiu 4,97% do produto. O consolidado do setor público bateu em 5,94%.
Na França, as contas públicas tiveram resultado negativo de 4,2% no ano passado, devem piorar até 4,4% neste ano e chegar a 4,3% em 2015. O resultado italiano deve ser parecido com o de 2013, um déficit de 3%.

No Brasil, tem sido normalmente deficitário, há muitos anos, o resultado nominal das contas públicas - consideradas, portanto, receitas e despesas de todos os tipos. É esse, afinal, o dado mais importante, quando se pensa na saúde financeira de longo prazo do setor público. A regra da União Europeia, um déficit máximo de 3%, é baseada nesse conceito mais amplo. Na crise, esse limite foi estourado por muitos países, mas a maioria já está enquadrada e o resultado médio está abaixo do teto.

O governo brasileiro tem fixado para a política fiscal metas mais frouxas, definidas em termos de resultado primário - diferença entre receita e despesa sem levar em conta os juros e amortizações da dívida pública. A ideia é obter uma sobra suficiente para cobrir pelo menos uma boa parte dos juros e, assim, manter sob controle o endividamento do governo.

A equipe da presidente Dilma Rousseff tem recorrido, há alguns anos, a arranjos especiais para cumprir a promessa do superávit primário. Além de descontar o valor aplicado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o pessoal do Tesouro tem recorrido ao adiamento de despesas (um processo conhecido como pedaladas fiscais) e à coleta de receitas extraordinárias, como dividendos, bônus de concessões e cobrança parcelada de impostos e contribuições em atraso.

Neste ano, nem esses truques funcionaram. Pelas contas do Tesouro, o governo central acumulou em nove meses um déficit primário de R$ 15,7 bilhões. Seria necessário um superávit de R$ 96,5 bilhões em três meses para alcançar a meta de R$ 80,8 bilhões fixada só para o governo central - Tesouro, Banco Central (BC) e Previdência. O jeito será pedir ao Congresso uma revisão das metas orçamentárias.

Nos cálculos do BC, levam-se em conta as necessidades de financiamento e isso produz números um pouco diferentes. Por esse critério, o déficit primário do governo central atingiu R$ 19,47 bilhões neste ano e R$ 29,14 bilhões em 12 meses. O resultado primário de todo o setor público foi um déficit de R$ 15,29 bilhões no ano e de R$ 31,05 bilhões em 12 meses.

O péssimo estado da economia brasileira, com nível muito baixo de atividade, explica boa parte do desastre nas contas públicas. Além disso, a arrecadação foi afetada também por várias desonerações tributárias mal concebidas. O setor público perdeu arrecadação sem conseguir, em contrapartida, fazer a economia pegar no tranco. Ao mesmo tempo, a despesa do governo central, entre janeiro e setembro, foi 31,2% maior que a de um ano antes, enquanto o aumento da receita líquida ficou em 6,4%. A presidente precisará, no segundo mandato, cuidar do estrago fiscal produzido, sem nenhum ganho econômico, nos primeiros quatro anos.

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