terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Almir Pazzianotto Pinto - Cobiça e corrupção

- O Estado de S. Paulo

"Ó glória de mandar!
Ó vã cobiça"
Camões

Por que pessoas supostamente dotadas de reputação ilibada, colocadas no topo da pirâmide social, ao se lhes oferecer a oportunidade escorregam para o terreno da corrupção e se prostituem, ignorando o perigo de serem investigadas, encarceradas, condenadas, submetidas às piores humilhações? O escândalo "Lava Jato" obriga-nos a refletir sobre a ânsia incontrolável do enriquecimento, capaz de levar mulheres e homens à loucura.

A resposta está no verso de Camões: "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça".
A história da Petrobrás é, talvez, pouco conhecida pelas novas gerações. Enquanto a Europa e os Estados Unidos davam, nos séculos 18 e 19, passos rápidos a caminho da industrialização, o Brasil permaneceu acomodado, até a metade do século 20, na exploração da agricultura. Com insignificante parque industrial, poucas ferrovias e rodovias, medíocre produção siderúrgica e nenhum petróleo, o País não se esforçava para escapar ao subdesenvolvimento. As matrizes energéticas, até 1888, foram o braço escravo, a tração animal e a lenha. Após a Lei Áurea, o trabalho servil deu lugar à mão de obra barata do colono, do imigrante, do proletariado urbano.

Alguns pioneiros, todavia, não se conformavam com o secular atraso. Em 1927 o deputado gaúcho Simões Lopes tomou a frente formulando projeto de lei destinado a proibir que estrangeiros fossem proprietários ou exploradores de jazidas de petróleo. Em 1936 o jornalista, escritor e empresário Monteiro Lobato lançou o livro O Escândalo do Petróleo, no qual defendia o direito de pesquisa, mineração e refino por empresas privadas.

Durante a ditadura Vargas, a Carta Constitucional de 1937 restringia o direito de industrialização de jazidas minerais às empresas constituídas por acionistas brasileiros. Em 29 de abril de 1938 o Decreto-lei n.º 395 declarou de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Restabelecido o regime democrático, a Constituição de 1946 concedeu à União a prerrogativa de intervir na economia a fim de monopolizar atividades industriais tendo por base o interesse público.

A defesa do monopólio estatal ganhou corpo após a fundação, em 1948, do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, instalado na sede do Automóvel Clube no Rio de Janeiro sob a presidência de honra de Artur Bernardes, ex-presidente da República, e dos generais Horta Barbosa e José Fonseca. Estava lançada a campanha "o petróleo é nosso", que galvanizou a opinião pública, obtendo apoio de estudantes, operários, intelectuais, jornalistas, políticos e militares.

Em mensagens ao Congresso Nacional, de 1953 e 1954, Getúlio Vargas dedicou vários parágrafos à questão petrolífera, dando ênfase às dificuldades enfrentadas para a importação de derivados, dada a carência de divisas. Havia, além de pouca gasolina e pouco óleo, escassez de asfalto para pavimentação de rodovias.

No início do mandato, em janeiro de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek insistiu no assunto na mensagem ao Congresso. Reconheceu que no ano anterior as atividades do programa nacional de petróleo, estabelecido pela Lei n.º 2.004, de 1953, haviam sido profícuas, "embora durante todo esse período a Petróleo Brasileiro S/A - Petrobrás - tenha devotado, ainda, grande parte das suas atenções a problemas de sua institucionalidade, ou a aspectos de sua organização interna - os resultados colhidos de suas missões específicas podem ser considerados entre os mais promissores para o desenvolvimento da economia nacional". Em outras palavras, permanecíamos dependentes de importação para a frota de veículos automotivos, já integrada pelos primeiros automóveis, caminhões e ônibus produzidos em São Bernardo.

Com mais de 60 anos de vida, jamais a empresa enfrentou crise como a que atravessa. Saqueada por administradores e empresários corruptos, deixou de ser motivo de orgulho para se tornar desacreditada, à espera de medidas que lhe restabeleçam a saúde econômico-financeira.

Para entender o que acontece com a nossa maior sociedade de economia mista, é necessário conhecer os estatutos e a forma de composição do quadro dirigente.
Como acionista majoritária, a União faz-se representar pela presidente da República, a quem compete a direção superior da administração federal direta e indireta (Constituição, artigo 84, II). Somente ela detém competência legal para designar o presidente, diretores, membros do Conselho de Administração nas estatais.

Sabemos, todavia, que o governo é péssimo administrador e que nas altas esferas do poder as coisas nem sempre ocorrem de maneira límpida. Submetendo-se a pressões partidárias, a chefe do Executivo tem abdicado das prerrogativas e se esquecido das obrigações constitucionais e legais para, no jargão político, lotear sociedades de economia mista e empresas públicas, como no caso da Petrobrás, e entregá-las à cupidez de pessoas designadas pelo PT e pela base aliada. Os resultados são conhecidos, pois constam de processo criminal. Movidos pela vã cobiça, dirigentes, cuja responsabilidade de nomeação recai sobre a Presidência da República, dilapidaram a maior empresa da América Latina.

Se algo positivo ocorre, é a comprovação de que o governo deve recolher-se e transferir o controle das estatais à iniciativa privada.

O Estado brasileiro dispõe de mecanismos jurídicos para exercer a fiscalização do grupo Petrobrás e de outras companhias de interesse coletivo, sem se desgastar com a administração.

Presidente Dilma Rousseff, deixe de ser omissa, faça o mea culpa e tome medidas para impedir que novos escândalos aconteçam.

*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

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