quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Dora Kramer - Domínio dos fatos

- O Estado de S. Paulo

Veemente nos termos e implacável na objetividade, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não deixou margem a dúvida ao defender, na abertura de Conferência Internacional de Combate à Corrupção, punições com ênfase a "todos, todos os envolvidos" no escândalo da Petrobrás.

O procurador não cita nomes; nem seria ainda o momento, tampouco é necessário que o faça, uma vez que a referência é muito clara em relação à impossibilidade de o governo seguir tentando desconhecer a real dimensão do estrago. Diante de um quadro de "gestão desastrosa", a atitude correta seria o afastamento desses gestores e a imediata colaboração dos responsáveis pela companhia com as investigações do Ministério Público.

O mundo jurídico nunca foi tão explícito ao falar sobre a corrupção no País. Outro dia mesmo ouvimos de ministros do Superior Tribunal de Justiça a constatação sobre a existência de "roubalheira" desenfreada.

Agora é o procurador-geral da República - e não um líder de oposição a quem se possa apontar como arauto do golpismo ou do terceiro tempo eleitoral - quem se diz envergonhado por o Brasil ainda ser um País "extremamente corrupto". Apontou que a resposta "àqueles que assaltaram a Petrobrás" será firme e que a Justiça não dará descanso enquanto não houver punição a "todos".

Cobrou do governo decreto que regulamenta a Lei Anticorrupção em vigor desde o início do ano. Esse mesmo governo que dias atrás editou decreto de lei ainda a ser aprovada (da meta fiscal) apenas para poder embutir no texto a promessa de liberação de emendas parlamentares se o projeto fosse aprovado.

Em seguida à manifestação do procurador, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, convocou entrevista para rebater Rodrigo Janot. Posicionou-se de modo ambíguo. Ao mesmo tempo em que se referiu à existência de "fortes indícios" de corrupção, negou com segurança quaisquer indícios contra a direção da companhia que, segundo ele, tudo tem feito para ajudar as investigações.

Não foi o que vimos, desde o início desse rumoroso caso. Na conduta de ex-diretores, atuais dirigentes da estatal, ministros, ex-presidente da República e a atual ocupante do cargo. Todos atuaram para "blindar" a companhia e atribuir denúncias a armações políticas. Houve resistência do envio de documentos ao Tribunal de Contas da União, mentiras diante das comissões de inquérito do Congresso e repetidas declarações de que nada havia de errado nos negócios da Petrobrás.

Nessas garantias se inclui o aval da presidente da República em setembro último: "Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, eu posso garantir que todas as sangrias estão estancadas". Estava dizendo que tinha o domínio dos fatos.
Há uma hora em que os governantes não podem mais se fingir de surdos. Diante do clamor cada vez mais ensurdecedor da Justiça, a hora é essa. Antes que passe da hora.

Ilegal, e daí? A construtora Camargo Corrêa contratou José Dirceu para prestar serviços de análise de "aspectos sociológicos e políticos do Brasil" e dar palestras e conferências internacionais sobre a "integração dos países da América do Sul", entre maio de 2010 e fevereiro de 2011, conforme revelaram documentos encontrados nas investigações da Operação Lava Jato.

Há nessa e em outras contratações um aspecto a ser ressaltado: o fato de o contratado como consultor constar como réu de ação penal (470) em tramitação no Supremo Tribunal Federal desde 2007, acusado pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha.

Qual a razão de empresas contratarem uma pessoa a respeito da qual pesavam tão graves acusações para representá-las em eventos nacionais e intencionais?

Hipóteses: 1. Absoluta indiferença aos marcos da legalidade; 2. Convicta confiança na impunidade; 3. Contratos de fachada para acobertar "serviços" de tráfico de influência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário