quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Rosângela Bittar - Desafios à esperança

• O comportamento da presidente tem sido sempre reativo

- Valor Econômico

O ex-presidente Lula insinuou o desejo de organizar um governo paralelo, sob o selo de gabinete de crise, destinado a socorrer o PT nas agonias em que se meteu nos últimos anos, iniciar um processo de recuperação da imagem do partido e abrigar alguns petistas que estariam deixando o governo Dilma, como Gilberto Carvalho e Marco Aurélio Garcia. Apareceu em duas ou três reuniões, deu um empurrão político para que o segundo mandato começasse logo, conseguiu que fosse formada a nova equipe econômica que, por sua vez, saltando obstáculos erguidos pela equipe atual, começou a elaborar um plano para o Brasil sair da crise.

A seu jeito, os sinais de Lula podem ser tomados como concretos da preocupação e da pressa em intervir para que o segundo mandato não repita o primeiro, sobre cuja ineficiência há unanimidade. Uma vez que pretende voltar em 2018, Lula quer os 20 anos de poder que o tucano Sérgio Motta previa para o PSDB. Suas dificuldades serão tão maiores quanto mais imóvel se quedar o governo Dilma.

O comportamento da presidente tem sido apenas reativo. Depois das notícias sobre o governo paralelo de Lula, por exemplo, o Palácio do Planalto passou a especular com postos que poderão ser dados para os amigos do ex-presidente, e os dois principais partidos da aliança, PMDB e PT, levaram sua lista de políticos para comandar os ministérios. Os motores do novo governo, porém, ainda estão rateando. Enquanto Dilma reluta a começar o segundo mandato, sua sucessão já lhe bate à porta.

Amanhã, após a diplomação no Tribunal Superior Eleitoral, a presidente promete divulgar a composição do Ministério, ritmo nada parecido com a situação de emergência que abate o país. Enquanto não tomar as rédeas da solução do processo de combustão da maior estatal brasileira, a presidente não infunde a crença de que conseguirá sair do lugar. Dilma desafia a esperança dos milhões de votos que apostaram na sua segunda chance.

Ontem, ela se mexeu, mas no sentido inverso do que era esperado. O governo deflagrou campanha destinada a manter no cargo a presidente da Petrobras, Graça Foster. O vice-presidente Michel Temer, no Rio, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em Brasília, foram os arautos do argumento exposto pela empresa em uma nota oficial, a segunda da fase mais recente da crise, divulgada nesta madrugada. A tese de defesa é, em síntese, que só em novembro de 2014 a ex-gerente da Diretoria de Abastecimento, Venina Velosa da Fonseca, falou a Graça Foster sobre as irregularidades. Ou seja, os e-mails de 2009, ou 2011, que tratavam do assunto, foram de uma sutileza indecifrável.

A nota da Petrobras é uma clara operação para permitir à presidente Dilma manter Graça Foster no cargo. Tentativa derradeira, o jeitinho brasileiro na pseudo solução. Se a presidente Dilma está, a esta altura, juntando arrazoado para não afastar Graça do cargo, ela não mudou seu comportamento para exercer bem o segundo mandato e continuará governando tangenciada por pressões de fora. A presidente indica que fará um novo mandato ao estilo do velho.

A gestão 2010-2014, é a realidade e o próprio PT assim avalia, não tem saldo positivo. Foram mantidos os programas de inclusão do governo Lula, criados três outros novos na mesma linha, mas, como marca para campanha eleitoral, eivados de problemas originados na pressa e resistência à correção de equívocos. O governo petista não apresentou, no período Dilma, uma proposta para a Educação, um plano para a Saúde, omitiu-se na Defesa, nas Relações Externas e na Segurança Pública, sendo que nessa última praticou experiências-piloto por alguns meses, este ano, que podem permanecer.

Não tinha e não tem um plano estrutural de combate à corrupção, continuou a agir por espasmos, ao sabor das denúncias, nos quatro anos do governo. Transferiu à crise internacional a reincidência de problemas já superados na economia, como o desequilíbrio fiscal, a inflação em alta, a falta de condições para o crescimento.

Duas iniciativas na Defesa e na Diplomacia acabaram revelando-se uma trapalhada. A presidente, com coragem, arbitrou a conclusão da compra dos caças da Aeronáutica, depois de década e meia de indecisão do governo perdido entre os lobbies das empresas internacionais. Optou pelo projeto diferente daquele pelo qual havia optado o ex-presidente Lula, e acabou por escolher o avião no papel, ainda inexistente, dispensando-se de explicações..

Na política externa houve marcha a ré. Depois de ter sofrido a ignomínia da espionagem internacional, a presidente não conseguiu mais encontrar-se e traçar um caminho para as relações políticas e comerciais do Brasil, confinando-as ao conforto da América do Sul. Mas nem na região conseguiu encerrar uma crise com desfecho prometido para depois das eleições. Ainda pendentes, as relações do Brasil com a Bolívia e a vida profissional do diplomata Eduardo Saboia, confinado por haver ajudado a transferir o senador Pinto Molina, asilado na embaixada em La Paz, para o território brasileiro.

A presidente não manteve uma relação de respeito e negociação com a agenda política, tentou impor soluções, como o plebiscito para a reforma política, e sua aversão ao Parlamento acabou sendo outra marca forte da gestão.

Como também foi sua marca o controle dos órgãos de controle, como as agências reguladoras e o Tribunal de Contas. Conseguiu a proeza de, nessa questão, dar uma rasteira na lei de licitações, com o Regime Diferenciado de Contratação, manobra de flexibilização a perder de vista que criou e ampliou.

Sem ser administrativamente eficiente, a presidente Dilma Rousseff foi eleitoralmente vitoriosa, numa evidência de que não se deve esperar racionalidade, mas pura emoção, do processo eleitoral. E, registrem-se, ainda, dois fatos incontestáveis: o governo Dilma foi capaz de realizar a Copa do Mundo de Futebol, com a construção de estádios, reforma de aeroportos e tudo o mais que um evento desse porte exige, tempestivamente. Inesquecível, mesmo, o fato de ter sido a primeira mulher presidente do Brasil. Com um senão nesse quesito: o desapreço à língua portuguesa ao obrigar o uso do tratamento no feminino.

No PT é sentida a ausência de um Marcos Valério para a Operação Lava-Jato. Sobre os ombros do publicitário caiu tudo. Suportou sozinho o peso do mensalão, sem delação premiada ou alívio de ônus. O que o deixou amargando a prisão enquanto políticos parceiros, já soltos, passam o Natal com suas famílias.

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