segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Ao longo da campanha presidencial, o céu de brigadeiro com que se inicia a jornada da candidata à reeleição logo se vai turvar com a ameaça da candidatura Marina Silva, que, desconstruída com ferramentas sacadas do arsenal do diabo - como Dilma antes de aberta a sucessão prometera fazer, se fosse o caso -, pavimentou o caminho para o crescimento da candidatura de Aécio Neves. Ferramentas de segunda geração foram, então, mobilizadas: o nacional-desenvolvimentismo, antes evocado em surdina, torna-se um dos carros-chefes da campanha, jovens lideranças das redes sociais e das jornadas de junho de 2013 são incorporadas, nem a velha esquerda é esquecida. O nacional-popular, renegado nas origens do PT, teria encontrado um lugar no partido e eventuais energias utópicas poderiam sentir-se liberadas. Foi por um triz, mas foi o que bastou.

Luiz Werneck Vianna, cientista social da PUC-Rio. Dilma, o Minotauro e seu labirinto. O Estado de S. Paulo, 7 de dezembro de 2014.

CPI da Petrobras: empreiteiras escapam da quebra de sigilo

• Comissão mista vai divulgar relatório sem ter conseguido aprovar devassa em empresas

André de Souza – O Globo

BRASÍLIA - Na semana em que o Ministério Público Federal (MPF) deverá apresentar denúncia contra 11 executivos de seis empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato, a CPI mista da Petrobras vai divulgar seu relatório sem ter ao menos quebrado o sigilo dessas empresas. Requerimentos para isso não faltaram. Vários foram apresentados ao longo da CPI, instalada em maio, mas as grandes empreiteiras, que tiveram seus executivos presos em novembro, escaparam da devassa.

No último sábado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reiterou ao "Jornal Nacional", que o MPF vai oferecer denúncia à Justiça Federal contra 11 executivos de seis empreiteiras que foram presos em novembro. A denúncia será substanciada em informações fornecidas por acusados que fizeram acordo de delação premiada. Mesmo assim, isso não foi suficiente para aprovar a quebra de sigilo dessas empresas. As empreiteiras costumam ser grandes financiadoras de campanha e têm um lobby forte no Congresso. O deputado Rubens Bueno (PPS-PR), autor de vários requerimentos para a quebra dos sigilos fiscal, telefônico e bancário das empresas, diz que se fala muito nos corredores do Congresso sobre o poder das empreiteiras:

- Eu desconheço (o poder de influência das empreiteiras na CPI), porque nunca tive minha atuação (influenciada). Agora, nos corredores, se ouvia muito isso. Alguns lá que teriam sido indicados (para a CPI) para atender aos interesses delas. Mas como eu vou provar isso?

O vice-presidente da CPI, senador Gim Argello (PTB-DF), da base aliada, culpou o calendário eleitoral.

- Prejudicou (as investigações o fato de não ter quebrado o sigilo das empreiteiras), mas fazer o quê. Em hora nenhuma tivemos condição para isso, quórum para isso - afirmou o senador, acrescentando: - Acho que foi a eleição. E agora no final, não teria como avaliar a quantidade de documentos que chegariam.

A CPI se limitou a pedir à Petrobras cópias de contratos, além de relatórios, tratando das empreiteiras investigadas na Lava-Jato. Também enviou algumas perguntas para as empresas responderem. Em novembro, executivos de oito empresas do setor com contratos com a Petrobras - Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Mendes Júnior, OAS, Queiroz Galvão, UTC - foram presos. Outras duas - Odebrecht e Toyo Setal - também são investigadas.

Delator defendeu aditivo que gerou prejuízo de US$ 177 mi

• Ex-gerente da Petrobras favoreceu firmas contratadas para construir plataformas

• TCU aponta ilegalidade em manobra avalizada por Pedro Barusco, que já prometeu devolver US$ 97 mi de suborno

Gabriel Mascarenhas, Dimmi Amora – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Ex-gerente da Petrobras que fez acordo de delação premiada e prometeu devolver US$ 97 milhões recebidos em propina, Pedro Barusco também é apontado pelo Tribunal de Contas da União como um dos responsáveis por um prejuízo de US$ 177 milhões --o equivalente a R$ 458 milhões-- à estatal.

A partir de 2005, ele defendeu junto ao comando da petroleira um reajuste em favor de empresas contratadas para construir as plataformas P-52 e P-54.

Uma das beneficiadas foi um braço do Grupo Setal, que está entre os integrantes do cartel que pagava suborno em troca de contratos com a Petrobras, conforme as investigações da Polícia Federal na Operação Lava Jato.

Dois de seus executivos --Julio Camargo e Augusto Ribeiro, ambos da empresa Toyo Setal-- firmaram acordos de delação premiada.

Eles confessaram a participação no esquema, inclusive pagamento de propina a diretores da estatal e ao próprio ex-gerente Pedro Barusco.

No caso auditado pelo TCU, as prestadoras de serviço pleiteavam um acréscimo no valor dos contratos assinados entre 2003 e 2004 por um valor total de R$ 4 bilhões.

Argumentavam que vinham acumulando perdas por causa da variação cambial. À época, o real atravessava um processo de valorização frente ao dólar.

O negócio foi firmado em dólar, por meio da Petrobras Netherlands, uma subsidiária da estatal brasileira registrada na Holanda.

Os custos das empresas, porém, eram pagos em real. Como a moeda brasileira começou a se valorizar, as companhias contratadas alegaram perdas e pediram o reajuste do valor original.

Embora ocupasse uma gerência, Barusco tinha poderes para atuar junto à diretoria. Foi ele que analisou a demanda das prestadoras de serviço e deu parecer favorável pela área de engenharia. Outros setores, como o departamento jurídico, também deram aval. A diretoria, então, aprovou a correção.

No TCU, internamente, o caso é considerado um dos maiores escândalos contábeis envolvendo a Petrobras.

Examinando os contratos, os auditores do tribunal concluíram que os riscos cambiais deveriam caber às prestadoras de serviços. Havia, inclusive, uma cláusula específica prevendo isso.

Os auditores também apontaram que as empresas poderiam se proteger com operações de hedge (compra antecipada de moeda por um valor fixo), o que não ocorreu. Ainda assim, a Petrobras assinou termos aditivos, reajustando os contratos.

No caso da P-52, a manobra representou perdas de ao menos US$ 92,3 milhões à estatal, segundo o TCU. No outro caso, de US$ 85 milhões.

Barusco não é o único dirigente respondendo ao processo. O presidente da companhia à época, José Sérgio Gabrielli, e toda a diretoria, inclusive Renato Duque, Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, constam como responsáveis pela decisão.

O TCU, no entanto, não obrigou nenhum dos servidores a ressarcir a companhia. O órgão de controle entendeu que havia decisões anteriores permitindo reajustes por causa de mudanças no câmbio.

O órgão determinou que a Petrobras cobrasse de volta o valor pago a mais. A estatal recorreu da decisão e ainda não houve julgamento final.

Outro lado
A Petrobras confirmou que, por decisão do TCU, "parte dos valores encontra-se garantida por fiança bancária/retenção".

A empresa, no entanto, argumenta que não há decisão definitiva do processo e que, por isso, não se pode falar em ressarcimento. Via assessoria, disse que vem prestando esclarecimentos ao TCU.

A advogada Beatriz Catta Preta, que defende Barusco na Lava Jato, preferiu não se manifestar sobre o tema.

Empreiteiras articularam defesa conjunta

• Papéis apreendidos no apartamento do dono da UTC mostram como as empresas tentavam neutralizar Operação Lava Jato

• Plano manuscrito cita como metas levar ação ao Supremo, estudar a melhor forma de acordo e neutralizar delações

Rubens Valente - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A Polícia Federal apreendeu no apartamento do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, seis páginas com anotações manuscritas que revelam estratégias jurídicas adotadas pelas empresas investigadas pela Operação Lava Jato para tentar levar a investigação à nulidade e ao arquivamento.

Os papéis foram localizados em 14 de novembro na residência do empresário nos Jardins, em São Paulo.

Um dos principais esforços das empresas, segundo as anotações, é "fragilizar" ou "eliminar" as delações premiadas realizadas até aqui por ao menos cinco investigados, incluindo o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Os papéis preveem "campanha na imprensa [...] para mudar a opinião pública".

As anotações confirmam pelo menos uma reunião mantida com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, qualificada de "boa".

O papel, datado de 28 de outubro de 2014, diz que a reunião teve a participação de quatro advogados, incluindo "MTB", iniciais pelas quais era conhecido o criminalista e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que morreu no dia 20. Ele era uma espécie de coordenador informal das defesas dos envolvidos na Lava Jato.

Procurado neste domingo pela Folha, um dos citados no papel, o advogado Pierpaolo Bottini, confirmou a reunião e disse que foi "formal" e "absolutamente legítima", no gabinete de Janot.

Janot disse em entrevista ao "Jornal Nacional" de sábado (6) que teve três reuniões com advogados de empreiteiras, mas que foram inconclusivas porque eles não aceitaram a premissa de que seus clientes cometeram crimes.

Outro papel indica que as empreiteiras queriam acordo para não serem declaradas inidôneas para novos contratos com o governo. "E sem delação premiada", diz o texto.

Os papéis indicam ainda um plano --chamado de "Proj. Tojal", em referência ao escritório Tojal Renault Advogados Associados-- com três metas: "Trazer a investigação para o STF", "estudar o acordo (a melhor forma)" e "fragilizar as delações".

A "proposta de trabalho" da defesa referente à Lava Jato prevê honorário de R$ 2 milhões e mais R$ 1,5 mi "condicionado ao sucesso".

CPI da Petrobrás terá ‘relatório paralelo’

• À espera de texto ‘chapa branca’ sobre irregularidades na empresa, oposição prepara outro, que poderá pedir indiciamento de Dilma

Ricardo Brito e Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na expectativa de um relatório final “chapa branca” da CPI mista da Petrobrás, a ser apresentado quarta-feira pelo deputado Marco Maia (PT-RS), parlamentares da oposição preparam um contra-ataque: a apresentação de um texto paralelo mais crítico ao trabalho da comissão.

Segundo o deputado Rubens Bueno (PR), líder do PPS na Câmara, nesse documento alternativo sobre as investigações não está descartada a possibilidade de se pedir o indiciamento da presidente Dilma Rousseff pelo escândalo de corrupção que envolve a maior estatal do País.

A intenção dos oposicionistas é mostrar que o governo barrou o avanço das apurações, iniciadas oficialmente em maio, e impediu que envolvidos e empreiteiras se tornassem alvos de convocações e quebras de sigilo. Eles devem adotar o discurso de que, por serem minoria e não terem o controle do comando da CPI, ficaram a reboque da blindagem do Palácio do Planalto. O PSDB e o DEM incumbiram o deputado tucano Carlos Sampaio (SP), ex-coordenador jurídico da campanha de Aécio Neves, de apresentar relatório paralelo. Outro está sendo feito pelo PPS.

Sem surpresa. Até o momento, Marco Maia não tornou público o relatório que vai apresentar. Integrantes da base aliada acreditam que o texto não trará qualquer surpresa para o Planalto - a expectativa de todos é que, como o conteúdo das delações premiadas da Operação Lava Jato não foi remetido oficialmente à comissão, não pode constar do texto final.

O relatório de Maia vai explorar os quatro eixos de criação da CPI, entre eles o da refinaria de Pasadena, nos EUA. Também deve sugerir mudanças legislativas referentes à Petrobrás.
Em março, Dilma disse ao Estado que se baseou em um parecer “juridicamente falho” do ex-diretor da estatal Nestor Cerveró para aprovar em 2006 a compra da metade da refinaria. Na época, ela presidia o Conselho de Administração da Petrobrás. O Tribunal de Contas da União isentou todo o conselho de responsabilidade pelos prejuízos de US$ 792 milhões com a operação - decisão que a oposição questiona.

“O posicionamento da oposição será mais contundente”, avisou o líder do DEM na Câmara dos Deputados, Mendonça Filho (PE). O líder do PSDB na Casa, Antonio Imbassahy (BA), disse que a oposição já articula nova CPMI para o ano que vem, para ir adiante na questão.

Nos cálculos oposicionistas, a CPMI só ajudou a manter o assunto no noticiário. O ponto alto dos trabalhos, afirmam, foram a quebra do sigilo de João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, e a acareação entre os ex-diretores da Petrobrás Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa. “O Congresso foi protagonista secundário. A CPMI deixou a desejar”, concluiu Mendonça.

Novos doleiros serão investigados na Lava-Jato

• Polícia Federal identifica contabilidade paralela em posto de Chater; r$ 1,8 milhão foi transportado em espécie

Cleide Carvalho – O Globo

SÃO PAULO - A Operação Lava-Jato, que apura desvios de recursos da Petrobras a partidos políticos, vai incluir a participação de novos doleiros e emissários na entrega de dinheiro a agentes públicos em Brasília e outros estados. A Polícia Federal identificou na contabilidade paralela do Posto da Torre, que pertence a Carlos Habib Chater, um dos doleiros presos na Lava-Jato, subcontas e documentos de transporte de valores em espécie. O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, e o Ministério Público Federal querem detalhes da movimentação de sete destas subcontas. Apenas numa delas, a "K corrente", foram movimentados R$ 15,2 milhões entre 2008 e março deste ano. Os documentos que servem para justificar transporte de dinheiro vivo somam R$ 1,8 milhão. As remessas foram destinadas a Rio de Janeiro, Manaus, Porto Alegre e Santa Catarina entre 2011 e 2014.

Todos os documentos de transporte informam que o dinheiro seria usado como sinal para aquisição de posto de gasolina. Quatro portadores foram identificados. Um deles, identificado como "Sanje", levou R$ 235 mil para Manaus e R$ 400 mil para Porto Alegre. A remessa para Curitiba, de R$ 420 mil, foi feita por André Nego - ou André Luiz Santos, réu na Lava-Jato e que até tentou fugir após uma audiência na Justiça. No nome dele está a subconta "And", da qual, em um único dia, foram retirados R$ 574 mil em dinheiro vivo e R$ 33 mil pagos a Chater, supostamente de comissão. Em novembro de 2013, a "And" acumulava movimentação de R$ 1,298 milhão.

Em depoimento à Justiça no último dia 1º, Chater afirmou que as remessas foram feitas unicamente para pagar dívidas que tinha com essas pessoas ou "por amizade". Ele se negou a identificar para quem trabalhavam alguns emissários. Ou disse que não se lembrava. Em relação às subcontas, Chater disse ser o dono da "K corrente" e identificou apenas três, que atribuiu a alguns doleiros já investigados ou citados na Lava-Jato: "Fa", de Fayed Trabulsi, preso na Operação Miqueias e que tinha políticos em sua agenda; "Sasa", de Sleiman Nassim El Kobrossy, também conhecido como Salomão e acusado de atuar no mercado negro de câmbio para pagamento de cocaína na Bolívia; "Kld", de Khaled Youssef Nasr, cunhado de Chater, que administrava a casa de câmbio Valortur, localizada dentro do posto. Chater negou que a subconta "Primo" seja do doleiro Alberto Youssef, que era tratado como "primo" nas conversas gravadas pela PF durante a investigação.

Ajuda dos "amigos"
Chater nega ser doleiro e que alguns dos descobertos em sua contabilidade paralela atuem como doleiros. À Justiça, afirma que o dinheiro que entrava no posto era ajuda recebida dos "amigos" ou de agiotas.

- Eram sempre empréstimos, eu precisava de dinheiro e eles depositavam - disse Chater no depoimento a Moro.

Apesar das negativas, Youssef, um dos clientes de Chater, já admitiu que usou o posto para entrega de dinheiro a agentes públicos em Brasília. A investigação dos pagamentos feitos por Chater deve avançar ainda mais com a assinatura de mais um acordo de delação premiada: Ediel Viana da Silva, gerente do posto e que emprestava o nome para empresas de fachada, além de administrar lavanderias que tinham Chater como sócio oculto, negocia com o MPF. Ele contou em um dos depoimentos que o ex-deputado Pedro Corrêa, do PP, condenado no mensalão, pegava dinheiro no posto. A família de Côrrea nega.

FHC diz que Dilma fará 'malfeito' trabalho que tucano faria melhor

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Diante das medidas recém-adotadas pela presidente Dilma Rousseff na área econômica, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avaliou que cabe agora ao governo fazer "malfeito" o que um tucano faria melhor.

FHC ressaltou, em artigo publicado neste domingo (7) nos jornais "O Globo" e "O Estado de S. Paulo", que Áecio Neves seria mais competente para implementar a política econômica proposta por Dilma, considerada por ele "de direita".

"Cabe agora aos vitoriosos vestir a camisa de seus opositores (como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já fez em 2003), continuar maldizendo-nos e fazendo malfeito o que nós faríamos de corpo e alma, portanto, melhor", afirmou.

Ao chamar Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, a petista entra em contradição ao discurso eleitoral, o que, segundo FHC, torna discutível a legitimidade de sua vitória

Petistas e tucanos travam disputa em torno de contas de campanha

• PT pede ao TSE apuração sobre fornecedores e doadores do PSDB, que já solicitou rejeição da documentação de Dilma

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Incomodado com o pedido do PSDB de rejeição das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff, o PT decidiu reagir com uma estratégia jurídica agressiva: vai requerer junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a mesma rigidez em relação às contas do candidato derrotado, senador Aécio Neves (MG).

No sábado, advogados do partido apresentaram ao TSE uma "notícia de ilegalidade" na qual pede que a Receita Federal levante a compatibilidade entre o patrimônio e o valor das contribuições feitas por todos doadores do tucano e aponta supostas irregularidades envolvendo fornecedores da campanha. Aécio declarou gastos de R$ 216,8 milhões em sua prestação.

O PT está preocupado com as iniciativas que vem adotando o ministro Gilmar Mendes, relator da prestação de contas de Dilma no TSE. Ele pediu, por exemplo, levantamento de dados contábeis dos doadores à Receita Federal e registros do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

No mês passado, os tucanos pediram à Justiça Eleitoral a reprovação das contas de Dilma com o argumento de que a ampliação do teto de gastos, que somaram R$ 350,5 milhões, ocorreu fora do tempo exigido.

Técnicos do TSE também investigam irregularidades na contratação da empresa UMTI, de Florianópolis, que recebeu mais de R$ 800 mil da campanha petista, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.

'Caixa 2'. Na ação, o PT diz ter detectado irregularidades nas contas do PSDB que podem representar "possível caixa 2". É o caso da Marcelo Martins Impressão, empresa criada em 22 de julho deste ano, em plena disputa eleitoral, com capital social de R$ 10 mil e que recebeu R$ 1,4 milhão do comitê tucano.

Segundo o documento, no local onde deveria estar a gráfica funciona uma transportadora e as notas fiscais apresentadas à Justiça Eleitoral estão todas em sequência. Para o PT, isso indica que a Marcelo Martins Impressão foi criada apenas para prestar serviços aos tucanos.

Os petistas encontraram, entre os fornecedores do PSDB, 28 empresas criadas em 2014. Advogados da campanha de Dilma estão analisando essas empresas e devem apresentar novas representações. Duas já foram protocoladas.

Em resposta, o PSDB afirmou, por meio de sua assessoria, que todas empresas contratadas efetivamente prestaram serviços à campanha de Aécio. Algumas delas, argumenta, foram criadas este ano com a finalidade exclusiva de trabalhar nas eleições e não podem ser confundidas com empresas de fachada. Marcelo Martins afirmou que sua empresa é regular e que todos os serviços foram prestados.

Democracia é melhor regime para 66%, aponta Datafolha

• Índice medido por pesquisa em dezembro é o mais alto desde que o levantamento começou a ser feito, em 1989

• Preferência pela democracia é maior entre mais instruídos e indiferença cresce entre os menos escolarizados

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A eleição presidencial deste ano, uma das mais acirradas desde 1989, exerceu efeito positivo sobre a relação da população brasileira com o regime democrático.

Desde aquele ano, quando o Datafolha começou a medir a confiança do povo com o regime recém-consolidado, o maior índice foi registrado no último levantamento, feito nos dias 2 e 3 de dezembro, no qual 66% dos entrevistados disseram acreditar que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo.

Como consequência, caiu para 15% o número de pesquisados que disseram não se importar se o regime político é uma democracia ou uma ditadura. Este indicador só não é menor do que o observado na pesquisa feita em março de 1993, quando 14% dos deram essa opinião.

Outros 12% disseram que, em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime democrático. Não souberam responder 7%.

O recorte que considera o grau de instrução dos entrevistados mostra que, entre aqueles que estudaram até o ensino fundamental, 57% acreditam que a democracia é sempre a melhor forma de governo --uma queda de nove pontos percentuais em relação à média da pesquisa.

Ainda nesta faixa, sobe para 19% o índice dos que avaliam que tanto faz se o regime político é uma democracia ou um ditadura --quatro pontos acima da média.

Entre os que completaram o ensino superior, a tendência se inverte e 80% avaliam que a democracia é sempre a melhor forma de governo e 7% dizem preferir ditadura.

O levantamento entrevistou 2.896 pessoas em 173 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Resultado era esperado, diz Tucano
O senador Aloysio Nunes disse que era esperado o dado do Datafolha segundo o qual 68% responsabiliza Dilma pelo caso Petrobras: "O povo não é bobo." Já o senador petista Jorge Viana lembra que a popularidade da presidente é maior que a de FHC antes de seu segundo mandato.

Mais 41 novos partidos políticos buscam registro

Criação em massa – Multiplicação de partidos

• Além das 32 legendas já existentes no país, outras 41 lutam para obter o registro no TSE

Juliana Castro – O Globo

O Brasil pode ganhar ainda mais partidos nas eleições dos próximos anos para se somar aos 32 já existentes no país. São 41 novas siglas já fundadas, cujos estatutos foram publicados no Diário Oficial da União e que, segundo levantamento do GLOBO, estão na fase de recolhimento e validação de assinaturas nos estados, etapa que antecede a obtenção do registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Duas legendas aparecem na listagem dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), mas já estão à espera do julgamento no TSE: o Partido Novo (Novo) e o Partido da Mulher Brasileira (PMB), que, embora tenha esse nome, aceita filiados homens.

O conjunto de partidos que se articula nos estados pode ser ainda maior porque, como a disponibilização dos dados não é obrigatória, seis TREs deixam de alimentar a plataforma da Justiça Eleitoral. As novas siglas são das mais variadas matizes e representam diferentes grupos - há o Partido dos Estudantes (PE), o Partido dos Pensionistas, Aposentados e Idosos do Brasil (Pai do Brasil), o Partido Carismático Social (PCS), o Movimento em Defesa do Consumidor (MDC) e a Aliança Renovadora Nacional (Nova Arena), de direita, como a da ditadura militar.

A lista conta com o Partido Liberal (PL), que existiu até 2006, quando se fundiu com o Prona de Enéas Carneiro e deu origem ao PR. Nos bastidores, atribui-se a articulação do novo partido ao ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, fundador do PSD.

- O crescimento do individualismo e um certo descrédito do projeto coletivo podem explicar o número de partidos em criação. Essa onda de fragmentação não é só aqui. Existe na França, na Itália, na Argentina, etc. - explica o cientista político Cláudio Gurgel, professor da UFF.

A Argentina tem 34 partidos, enquanto a França possui 33, dos quais 21 têm representação na Assembleia Nacional. Mas há países com menos legendas, como o Chile, que conta com 13.

Siglas receberam R$ 334 milhões
Se conseguirem o registro no TSE, as novas legendas terão direito à verba para se manterem, uma vez que 5% do Fundo Partidário são divididos igualmente entre todos os partidos com estatutos registrados no tribunal. Os outros 95% são distribuídos às siglas na proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados. Até novembro deste ano, R$ 334,3 milhões haviam sido rachados entre os partidos. Última legenda a obter registro no TSE, o Solidariedade recebeu, de janeiro até novembro deste ano, R$ 7,7 milhões. O Partido da Pátria Livre, aprovado no TSE em 2011, obteve nesse mesmo período quase R$ 607 mil.

- Considero uma hipótese provável que partidos possam ser criados para benefício financeiro. Seria leviano dizer que é o caso de todos, mas, assim como criaram igrejas para ganhar dinheiro, mal comparando, criam-se partidos para fazer tráfico financeiro - afirma Gurgel, para quem a solução não está na cláusula de barreira, mas nas mãos do eleitor, que só deveria assinar a criação de uma sigla se realmente se identificasse com ela.

A cláusula de barreira, assunto que ressurgiu com a discussão sobre reforma política, restringe o funcionamento parlamentar do partido que não alcançar 5% do total de votos para a Câmara dos Deputados. Eles perderiam o fundo partidário e ficariam com tempo restrito de propaganda eleitoral em rede nacional de rádio e de TV. O mecanismo foi aprovado pelo Congresso em 1995 e valeria nas eleições de 2006, mas foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) porque prejudicaria os pequenos partidos.

Após a decisão do Supremo, a presidente Dilma Rousseff sancionou, em 2013, uma lei que inibe a criação de novos partidos. Com ela, o fundo partidário e o tempo de TV só estarão disponíveis às novas agremiações depois que elas participarem da primeira eleição.

São tantas as agremiações na tentativa de obter o registro, mesmo depois da lei sancionada, que existe até sigla repetida em meio a essa sopa de letrinhas. O Partido da Educação e Cidadania e o Partido Ecológico Cristão, por exemplo, querem a abreviação PEC. Tem briga até pelo número com o qual a sigla vai pedir voto.

Sete dos partidos do levantamento do GLOBO já pediram registro ao TSE, mas não tiveram êxito - boa parte por ausência do número mínimo de assinaturas, caso da Rede Sustentabilidade, da ex-senadora Marina Silva. Eles estão refazendo os procedimentos para tentar de novo o registro nacional.

A Rede e o Partido da Transformação Social (PTS) estão mobilizados em mais estados: 12. Apenas cinco agremiações têm assinaturas em ao menos nove unidades da federação, como determina a regra para a criação de legenda. O número pode ser maior, por conta dos seis TREs que não atualizam os dados.

O fato é que, com mais partidos, os pleitos terão cada vez mais candidatos, principalmente nas eleições proporcionais. Quanto mais postulantes, mais registros e processos a Justiça Eleitoral deverá analisar sem que mude os prazos.

Dividido, PT do Rio decide não ocupar cargos no governo Pezão

• Votação apertada derruba proposta de apoio com independência

Letícia Fernandes – O Globo

Em uma votação apertada - 32 a 28 -, o diretório do PT do Rio aprovou ontem uma postura de "independência crítica" em relação ao governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB). Os delegados aprovaram o documento que proíbe qualquer filiado petista de ocupar cargos no governo Pezão, já que fará oposição à atual gestão. Liderado pelo presidente do PT do Rio, Washington Quaquá, o grupo derrubou a proposta da turma do deputado estadual André Ceciliano, defensor de uma frente de "apoio com independência" à gestão peemedebista.

Apesar da decisão, Quaquá afirmou ao GLOBO que, a pedido do ex-presidente Lula, vai procurar Pezão para dialogar. E garante que o PT estadual, que elegeu seis deputados, a quarta maior bancada da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), não fará "oposição raivosa":
-
Nenhum filiado poderá ocupar cargos no governo Pezão. Somos oposição, mas não vamos fazer política agressiva. A pedido do presidente Lula, eu vou procurar o Pezão para ter diálogo. Já bebi cachaça na casa do Pezão, não nos importaremos em beber de novo. Mas queremos discutir política.

Sem acordo, mas com diálogo
No início da reunião, que durou quase cinco horas e na qual mais de 20 delegados pediram a palavra, tudo se encaminhava para a aprovação de um documento único, onde constaria a posição de independência, mas com diálogo com o governo. Não entraria por escrito no documento, por exemplo, a proibição a petistas de ocuparem cargos no governo. O grupo mais alinhado a Pezão, porém, encabeçado pelo deputado Zaqueu Teixeira, não quis ceder e minou o acordo que estava sendo costurado.

- O partido saiu rachado. Todos reconhecem que Pezão é uma figura importante, mas levamos em consideração que tivemos um candidato na última eleição. Não é fácil tomar uma decisão de apoiar um governo onde até ontem tínhamos candidato contra - disse Ceciliano.

Líder do PMDB na Alerj, o deputado Domingos Brazão criticou a decisão e disse não acreditar que essa posição vá se concretizar:

- A maioria dos deputados da Alerj hoje tem maturidade suficiente para saber que o caminho não é esse, e que PT e PMDB estão há muito tempo trabalhando juntos.

No PMDB, há quem acredite que os petistas estão querendo "se convidar" para o governo Pezão, para o qual, dizem, sequer foram chamados.

A determinação do PT fluminense abre caminho para uma posição independente do partido na disputa pela prefeitura em 2016. O partido já cogita, num futuro próximo, romper com o governo Eduardo Paes:

- Agora, é começar a discutir o rompimento do PT com o PMDB da capital. Há hoje um grupo grande de militantes traçando essa estratégia para termos candidatura própria em 2016. Por isso, não podemos estar tão alinhados a esses governos - explicou o vereador Reimont.

Sobre 2016, Quaquá é enfático:

- Está muito longe ainda, mas o PT não pode mais ter uma posição desqualificada no governo do Eduardo Paes. O PT não quer mais discutir cargo e boquinha, não se vende mais por cargos.

MPF deve denunciar 11 executivos da Lava-Jato

• Corrupção ativa e lavagem de dinheiro estão entre as acusações que serão feitas contra os investigados de seis empreiteiras

- Zero Hora (RS)

O Ministério Público Federal (MPF) vai oferecer nesta semana denúncia à Justiça Federal contra 11 executivos de seis empreiteiras, presos há 24 dias na Polícia Federal, em Curitiba. Eles devem ser acusados pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, fraude em licitação e formação de cartel. Os procuradores ainda analisam se vão denunciá-los por organização criminosa.

Em entrevista ao Jornal Nacional de sábado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, explicou que advogados dos executivos das empreiteiras o procuraram para verificar a possibilidade de um acordo. Foram feitas três reuniões, mas a defesa não concordou com o primeiro passo a ser dado nessa situação: os executivos teriam de reconhecer seus atos criminosos.

– Os crimes praticados por agentes econômicos e políticos estão sendo investigados e vão ser levados à Justiça. Essa investigação, no que se refere à parte penal, irá até o fundo e até as últimas consequências. Nós estamos seguindo o dinheiro e vamos alcançar a todos esses infratores. Que são delinquentes – afirmou.

Depois de terem ido à Suíça em busca de parte do dinheiro desviado, os procuradores da Lava- Jato irão aos Estados Unidos para ter acesso à investigação feita pela Securities and Exchange Commission. A SEC americana equivale à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil e está investigando a Petrobras.

Procurador reage a tentativas de descrédito
O procurador-geral disse ainda que receberá amanhã os depoimentos sigilosos do doleiro Alberto Youssef, considerado um dos principais operadores do esquema, no acordo de delação premiada. Será com base nas informações de Youssef e também no depoimento do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, a ProcuradoriaGeral da República vai pedir autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a eventual participação de autoridades com foro privilegiado, como deputados e ministros.

Em nota divulgada sábado, Janot diz que "não permitirá que prosperem tentativas de desacreditar as investigações e os membros desta instituição". O procurador diz que enviou o texto "em função das recentes notícias veiculadas na imprensa". Em sua última edição, a revista IstoÉ publicou matéria dizendo que Janot se reuniu com empreiteiras e propôs plano para impedir que Planalto seja investigado.

Marco Aurélio Nogueira - De crias e feridas

• Entre ‘organizações criminosas’ e ameaças de processo, adversários de 2014 continuam mastigando a ração que deram aos eleitores

- O Estado de S. Paulo / Caderno Aliás

“Não perdi a eleição para um partido político, mas para uma organização criminosa que se instalou no seio de algumas empresas brasileiras, patrocinada por esse grupo político que aí está.”

A declaração de Aécio Neves ao jornalista Roberto D’Ávila repercutiu amplamente, como seria de esperar, feita que foi para isso mesmo.

O senador pode ter tido motivos para dizer o que disse. Acha que se manifestou de acordo, ao lembrar que a expressão “organização criminosa” foi a mesma usada pela Polícia Federal para classificar a “quadrilha que atuou durante 12 anos na Petrobrás”. Mas a frase forte, solta no ar, jogou mais lenha numa fogueira que queima há tempo sem produzir efeito positivo. Lançou um factoide, num momento em que o País clama por gestos emblemáticos.

É verdade que o aparelhamento da Petrobrás atingiu, nos últimos anos, a dimensão de um verdadeiro assalto, combinado por partidos políticos e empreendedores vários. Mas também é verdade, como disse o delator premiado Paulo Roberto Costa, que operações desse tipo têm sido rotineiras no País, não se limitando nem à Petrobrás nem a um ou outro ciclo governamental. “Não se iludam. O que acontece na Petrobrás acontece no Brasil inteiro. Em ferrovias, portos, aeroportos. Tudo.” O apoio político a diretores encarregados de fazer as intermediações corruptoras não teria faltado ao longo das últimas décadas. Foi assim que se viabilizou a sistemática formação de cartéis especializados em tirar dinheiro extra de atividades econômicas que dependem de recursos estatais.

Haveria, pois, que se qualificar a acusação, pô-la além da criminalização localizada. Virar a página não seria “inocentar” o PT ou aliviá-lo de responsabilidade, mas abrir o leque, expor as raízes profundas da corrupção e educar a cidadania.

Do outro lado da cerca, o PT tem motivos para reagir com irritação à declaração de Aécio. Afinal, ela mantém o partido numa posição incômoda, estigmatizando-o como se fosse o único a ter as mãos sujas. Judicializar a questão, porém, mediante a interpelação de Aécio na Justiça, não é caminho virtuoso. Responde a um factoide com outro factoide. Não tira o partido da vitrine, nem dá ao fato inconteste da “corrupção” nenhum tratamento consistente. O partido continua enfeitiçado pelo espelho mágico, crente de que não há na Terra ninguém menos corrupto do que ele.

E faz questão de dizer que “não leva recado para casa”.

A frase de Aécio veio em má hora, mas não configura um “golpe” ou a manutenção em aberto de um interminável “terceiro turno”, como disseram próceres petistas. Foi inadequada porque deu combustível aos que desejam acirrar ânimos, propõem intervenções militares e pedem impeachments. Não extravasou um “sentimento de indignação” que possa impulsionar uma oposição democrática consciente de seu papel.

A reação petista manteve o tom e engrossou o caldo. Faz tempo que o PT chama de golpista toda crítica ou acusação que lhe é endereçada. Fala que é tudo coisa feita para prejudicá-lo. Não se dá conta de que, ao agir assim, passa recibo aos acusadores e insufla seus próprios defensores. Enforca-se com a própria corda.

O País permanece em clima eleitoral. Os protagonistas das urnas de 2014 não retocaram a maquiagem. Continuam lambendo as próprias crias e as próprias feridas, a mastigar a mesma ração insossa que ofereceram aos eleitores. Nenhuma manobra diferente, nenhuma análise prospectiva, nenhum realinhamento de forças, nenhuma atitude de grandeza. O diálogo anunciado pela presidente ficou no terreno protocolar, as oposições nem sequer estão pagando para influenciar o que virá pela frente. Todos parecem encantados, à espera dos frutos que virão do escândalo da Petrobrás.

A manutenção sem novidades da polarização PT x PSDB não traz ganhos ou vantagens para ninguém, nem para os próprios contendores, muito menos para a população, o Estado democrático ou a agenda pública. O parafuso espanou e quanto mais petistas e tucanos insistirem em forçar a chave de fenda maior será o estrago.

O melhor para todos seria que o novo governo começasse com o pé direito. Quem sabe assim a política aprumasse e as coisas ficassem mais claras. Não é esta oposição - verborrágica, exagerada, midiática - que se espera do PSDB. Não será desse modo que o PT crescerá como força política capacitada para disputar espaço em um governo que somente em parte pode ser apresentado como seu e viverá na turbulência.

O cenário lembra o abraço de dois afogados que, ao submergirem, levam consigo as energias e as expectativas de uma multidão de espectadores. No horizonte, não há boias nem salva-vidas.

Sem metáforas: faltam lideranças políticas, bons articuladores, estadistas, e na falta deles o País gira em círculos, cambaleante, aprisionado por suas limitações.

Estamos carecendo de “ideais morais” que fixem uma imagem de cidadania que possa servir de parâmetro para a sociedade. O nível da “moralidade pública”, entendida em sentido rigoroso, não moralista, está baixo demais e os desafios do País são enormes. O ceticismo social e as paixões reprimidas que nascem dessa discrepância não ajudam ninguém.

*Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp e autor de As ruas e a Democracia - Ensaios Sobre o Brasil

Ricardo Noblat - Golpe e impeachment

"A eleição acabou, mas Aécio ainda não desceu do palanque. A derrota lhe subiu à cabeça."
Rui Falcão, presidente do PT

- O Globo

Ouvido prefeito de uma das capitais brasileiras mais importantes: "Foi a ação dos black blocs que nos salvou, os governantes, quando o povo saiu às ruas em junho de 2013 cobrando melhores condições de vida." A ação dos baderneiros mascarados esvaziou as manifestações por passagens de ônibus mais baratas, saúde e educação eficientes, reforma agrária, lazer, contra a corrupção e contra a impunidade .

POR ENQUANTO, os black blocs saíram de cena. No seu lugar , entraram pessoas agenciadas, não se sabe por quem, ou simplesmente pessoas que acreditam que a volta dos militares ao poder fará bem ao país. Muitas entre essas pessoas pedem o fim do comunismo, como se ele ainda existisse. A propósito, não vale citar a China e a Rússia. São imitações grotescas, macaqueadas de regimes comunistas.

DE REPENTE, a presidente Dilma e a sua turma ganharam aliados onde menos esperavam. Os que pedem um golpe militar, quer queiram quer não, podem contribuir para esvaziar passeatas e comícios dos insatisfeitos "com tudo isso que está aí". Por "tudo isso" entenda-se o grosso das mesmas reivindicações de junho de 2013, com ênfase crescente no combate à corrupção e à impunidade.

HÁ 15 DIAS, 2.500 pessoas ocuparam a Avenida Paulista em protesto contra o governo Dilma. Foram cinco mil no último sábado em ato apoiado pelo PSDB e partidos da oposição. Minoritária, a porção dos golpistas tenta se misturar com a porção dos insatisfeitos. Essa, por sua vez, tenta se distinguir da outra. Mais políticos compareceram à primeira manifestação do que à segunda.

OS PRINCIPAIS líderes da oposição, entre eles Aécio Neves (PSDB-MG), correm o risco de se meter numa saia justa. Por mais que digam o contrário, são acusados pelos partidários do governo de defender o golpe militar. Se não defendem o golpe, se batem pelo impeachment da presidente da República, o que militantes espertos do PT apregoam como sendo outro tipo de golpe. Não é.

AÉCIO ESTÁ ficando rouco de tanto repetir: "Olha, eu não sou golpista, sou filho da democracia. (...) Não acho que exista nenhum fato específico que leve a impeachment. Essas manifestações [golpistas] que se misturam com as manifestações democráticas têm meu repúdio veemente." Talvez devesse ir à próxima passeata reafirmar de público seu compromisso com a legalidade.

IMPEACHMENT não é golpe. Fernando Collor , o primeiro presidente do Brasil eleito pelo voto direto depois de 21 anos de ditadura, foi derrubado pelo Congresso via um processo de impeachment. Fora os comparsas deles, órfãos do poder , ninguém disse que Collor foi vítima de um golpe. O impeachment está previsto na Constituição. E nada se fez contra ela. Nada se fará contra ela.

NO INÍCIO do segundo governo de Fernando Henrique, deputados do PT assinaram um manifesto em defesa do impeachment dele. Tarso Genro, na época ex-prefeito de Porto Alegre, publicou artigo na "Folha de S. Paulo" onde pediu que Fernando Henrique renunciasse. Aliados do presidente saíram em sua defesa, acusando Tarso e os deputados de "golpistas". Não eram golpistas.

POR ORA, carece de razão o impeachment de Dilma. Mas ela e o PT têm motivos de sobra para se preocupar com isso, sim. Afinal, Dilma soube a tempo que a roubalheira existia na Petrobras. E nada fez para abortá-la. Dinheiro sujo financiou parte da campanha de Lula para presidente em 2002. Suspeita-se que dinheiro igualmente sujo financiou as duas campanhas de Dilma. A ver.

Valdo Cruz - Uma vaca nada sagrada

- Folha de S. Paulo

Transformada numa espécie de vaca sagrada pelos petistas nas campanhas eleitorais, a Petrobras virou, na vida real, o centro de um esquema de corrupção para todos aqueles que queriam mamar fartamente nas tetas do governo.

Não por acaso a nova pesquisa Datafolha mostra que a estatal tornou-se num dos principais fatores de desgaste da presidente Dilma. Sete de cada dez brasileiros acham que ela tem alguma responsabilidade no escândalo da petropropina.

O fato é que, hoje, fica no ar a pergunta se a campanha petista contra a privatização da Petrobras, que deixou tucanos na defensiva, só tinha motivações nacionalistas. Se tinha, ganhou outra$ rapidamente.

O PT conseguiu transformar o debate sobre a privatização da estatal num sacrilégio, um atentado contra o país ""perderíamos o controle sobre a maior empresa brasileira, destinada a explorar nosso passaporte para o futuro, o petróleo do pré-sal.

Pois bem, deu-se o contrário do que o PT pregava. O país perdeu o controle sobre a Petrobras, entregue a grupos políticos que estavam violando nossa vaca sagrada. Petistas dizem que sempre foi assim. Era, mas não em tal dimensão. E com eles a empresa deveria ser preservada, não sugada a tal ponto.

Não bastasse isso, o intervencionismo do governo Dilma fragilizou a estatal. Reduziu seus lucros e elevou irresponsavelmente sua dívida. Resultado: ela ficou sem caixa para bancar seu plano de investimentos.

Tudo vindo à tona num cenário internacional adverso. O preço do petróleo está despencando. Se voltar à casa dos US$ 30 o barril, a exploração do pré-sal perde competitividade, num momento de mudanças na matriz energética mundial.

Talvez seja a hora de rediscutir o papel da Petrobras no modelo de exploração do pré-sal. Hoje, ela não dá conta do recado de ser a operadora única dos campos do nosso passaporte para o futuro. Sob o risco de perdermos nosso bilhete premiado.

Jose Roberto de Toledo - Sua Exª, a circunstância

– O Estado de S. Paulo

A margem de manobra quando Dilma Rousseff (PT) começou a governar, quatro anos atrás, era 3 vezes maior que a atual. As pesquisas já divulgadas mostraram saldo positivo de avaliação da presidente pouco acima de 20 pontos. Foi suficiente para reelegê-la, mas não basta para fazer o que quer, com quem quiser e do jeito que bem entender no seu segundo mandato. Dilma não mudou, mas suas circunstâncias sim. E isso faz toda a diferença.

É esperado que, sem a propaganda diária na TV, a taxa de ótimo e bom do governo Dilma – como a de qualquer governo após passar a eleição – oscile um pouco para baixo. Isso faria a presidente começar o novo governo com um terço do saldo de popularidade com que iniciou seu primeiro mandato. Ou seja: uma terça parte da gordura que tinha para queimar quando chegou ao poder em 2011.

Em março daquele ano, três meses após Dilma vestir a faixa presidencial, 56% achavam seu governo bom ou ótimo. Só 5% diziam que era ruim ou péssimo. O saldo manteve-se na zona de alto conforto pelo menos até junho de 2013, pré-manifestações. Foram dois anos e meio de bonança, que permitiram à presidente fazer o que queria, com quem quisesse e do jeito que bem entendesse.

É provável que circunstâncias favoráveis até demais tenham alimentado arroubos de autossuficiência e voluntarismo. Aprovação alta de cara, antes de realizar algo além de gastar a herança, tende a mimar o estreante. Acostuma mal. Custa caro.

Mesmo após a avalanche de junho de 2013 quase zerar sua popularidade e estimular desejos de renovação no eleitorado, Dilma resistiu a se adequar ao novo cardápio de possibilidades políticas. Criou novidades como o Mais Médicos, mas insistiu em mais do mesmo na economia. Quando veio a eleição, precisou ajustar o discurso e sinalizar mudanças. Passou raspando.

A perda de capital político custou a Dilma não apenas o susto na eleição, mas um processo eleitoral interminável. Derrotada quatro vezes seguidas, a oposição tenta compensar a falta de votos alimentando um terceiro turno nas páginas, nas ruas (com pouco êxito), no Congresso (com algum sucesso, mas só por causa do PMDB) e nos tribunais (onde deposita sua maior esperança).

A tentativa de vender derrota como vitória não exime – ou não deveria eximir – o PSDB de se perguntar como perdeu a eleição presidenciável mais fácil que teve pela frente desde a vitória de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Sim, porque a eleição de 1998 foi ganha contra o desejo majoritário de mudança, e as derrotas de 2002, 2006 e 2010 se explicam pelo cenário pró-PT.

O PSDB perdeu em 2014 porque errou no diagnóstico e, por consequência, na estratégia. Não priorizou a economia (ao priorizar corrupção, inflação, saúde e educação, não priorizou nenhuma), pregou só para convertidos, não fez nada para deixar de parecer elitista, além de continuar culpando o eleitor, principalmente o do Nordeste, por não votar no partido.

Há quem veja na volta da equipe econômica palocciana uma vitória do discurso eleitoral tucano. É Natal e há quem acredite também em Papai Noel. A dupla Levy-Barbosa na Fazenda-Planejamento mostra que Dilma enfim cedeu às circunstâncias. O duplo fusível que ela instalou no comando da economia reduz as chances de a presidente se queimar se as coisas derem errado. Um dos futuros ministros se queimará antes, e poderá ser trocado pelo outro. Mas fusível, sozinho, não previne incêndio.

Para sobreviver ao terceiro turno, a petista, à diferença de 2011, terá que administrar escassez em vez de abundância. O pequeno saldo de popularidade pode se transformar em déficit quão mais rapidamente ela repetir práticas do primeiro mandato. A margem é estreita, e a presidente parece ter notado.

Por ora, as circunstâncias falaram mais alto do que Dilma – para surpresa dos circunstantes. Foi necessário. Será suficiente?

Renato Janine Ribeiro - Principais ministérios (2): Esportes

• Substituir o espetáculo pela atividade física

Valor Econômico

Continuo a falar dos ministérios que considero realmente os mais importantes, os que indicam as grandes metas da vida, mas hoje ficam em último plano na estrutura de governo. Depois de tratar da Cultura e antes de encerrar com o Meio Ambiente, é a vez dos Esportes. O próprio fato de que estas pastas são as que melhor definem o futuro de cada um de nós, as que mais podem melhorar a vida - mas ainda estejam relegadas ao fim da lista, levando o que sobrar do orçamento - mostra que estamos perto de um grande salto político. Em breves anos, essas pastas serão decisivas. Por enquanto, não o são. O político que souber priorizá-las deixará sua marca na história.

Esportes e Cultura tratam das grandes atividades-fim da humanidade atual. Por milhares de anos, vivemos no reino da necessidade. As coisas "precisavam" ser feitas, "faltava" comida, fomos e muitos continuam sendo governados pelas carências. A fome é o exemplo claro disso, mas também há as doenças e tudo o que falta em termos do que ainda chamamos as "necessidades básicas" do ser humano, inclusive educação. Mas esse tempo está por acabar. Cada vez mais, somos chamados a exercer nossa liberdade, em vez de suprir nossas faltas e falhas. Deficiências de ordem material, como as mencionadas, podem ser superadas. Por exemplo, hoje a questão não é tanto a de produzir comida, é assegurar o acesso a ela. Faltam poucos anos, espero, para passarmos do mundo da necessidade para o "reino da liberdade".

Nada mais crucial, neste novo mundo, do que cuidar do corpo e do espírito, de nossa natureza e nossa cultura. E já não é o velho "mens sana in corpore sano", a mente sã em corpo são, mas uma mente livre num corpo livre. Quer dizer que já não há modelos únicos do que seriam a cultura ou o corpo saudáveis, mas muitos. É mais promissor pensar novos meios de melhorar a vida, por esses dois caminhos, do que fabricar novos produtos. Nas próximas décadas, o foco da própria economia deverá passar crescentemente para o ser humano e as várias dimensões da vida, biológica, cultural, coletiva. Quem pensar só em produzir coisas pode perder o fulcro da nova economia, assim como o da nova sociedade.

Dentro deste espírito, o Ministério dos Esportes talvez devesse se chamar da Atividade Física. O nome atual dá à pasta um tom de espetáculo, como na prioridade conferida à Copa do Mundo e em breve às Olimpíadas. É evidente que multidões têm prazer em assistir a jogos bons. Mas o corpo em movimento não é bonito apenas de se ver, ele é belo - e saudável - de se ter. Iniciativas notáveis são as maratonas, as ciclovias, o incentivo a jovens, adultos e idosos para praticar atividade física - enfim, tudo o que enfrenta o sedentarismo, o tabagismo, as doenças.

Honra se faça, secretarias de Esportes em todos os níveis de governo, assim como entidades como o Sesc, têm difundido essas práticas. Soube por Ana Paula Vicentin, do Sesc de São Paulo, que a entidade, além de se empenhar em ampliar o número de participantes, evita dar tom competitivo às atividades que envolvem o corpo. Aliás, em seus espaços de prática física, há pouquíssimos espelhos, ao contrário de muitas academias - e para quê? Para não incentivar o narcisismo. O objetivo não é se destacar pela performance ou beleza do corpo, mas sim aproximar, conviver, incluir. A questão não é a performance de uns poucos, mas a melhora na vida do maior número possível. Por isso, aliás, o Sesc se articula com iniciativas como o Esporte para Todos, que tem na Isca - ou Associação Internacional de Esporte e Cultura - e no Move Brasil alguns de seus protagonistas (recomendo que procurem seus sites na Internet).

Daí, minha leiga, talvez ingênua, sugestão de mudar o próprio nome do ministério, para nele destacar a atividade física de todos, não o esporte de alguns. Faz todo o sentido que a ação principal da pasta se torne a de levar todas as pessoas a se mexerem, a se moverem, de modo a ganharem em saúde e mesmo em felicidade. Todos sabemos que a atividade do corpo aumenta a endorfina, o que por sua vez amplia a sensação de bem-estar. Por isso mesmo, não tem lógica nenhuma pessoas assistirem sentadas, frequentemente se engordando com fritas e cerveja, ao esporte praticado por poucos. O esporte como espetáculo, especialmente quando é transmitido pela televisão, muitas vezes corresponde ao sedentarismo do público - o que é um contrassenso. Se mover o corpo é bom, não deve ser como entretenimento, mas como exemplo de vida. Não é ver mover-se o corpo dos outros, é mover o nosso.

Tal mudança de enfoque trará resultados positivos até para a economia, reduzindo dias perdidos de trabalho. Empresas inteligentes já patrocinam, entre seus funcionários, ginástica, esportes e iniciativas de redução de peso. A priorização da atividade física impactará a área da saúde. O Ministério da Atividade Física poderá se tornar, em relação ao da Saúde, o irmão barato, porém mais eficiente, talvez até anexando parte do que é saúde preventiva, a qual por sua vez reduz a necessidade de tratar da doença quando esta já se instalou (e fica dispendiosa, em dinheiro e em qualidade de vida). Quem sabe teremos um dia um Ministério da Saúde e da Atividade Física, com o segundo termo crescendo gradualmente em importância.

Tudo isso faz parte de uma concepção em que saúde e atividade física, cultura e educação param de atender às carências, e em vez disso definem horizontes de expansão ilimitada. Não vamos mais só curar doenças ou extinguir o analfabetismo. Vamos melhorar cada vez mais o corpo e as faculdades do espirito. Nem o céu, mais, será o limite.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Miguel Reale Júnior - A prisão como pressão

• Transformar a prisão, sem culpa reconhecida na sentença, em instrumento para forçar a delação é uma proposta que repugna ao Estado de Direito

- Folha de S. Paulo

Em artigo publicado em Tendências/Debates ("A ética do crime do colarinho-branco", 3/12), dois procuradores da República defenderam o instituto da delação --ou colaboração-- premiada por visar à punição dos culpados e ao ressarcimento dos danos, mas também por interessar à própria defesa na tentativa de minimizar as consequências do processo.

Dizem, então, os procuradores da República que a legitimação da delação está na obediência do devido processo legal, ou seja, no respeito aos ditames legais, a todas as garantias de um processo regular e justo.

Em parecer ofertado em dois habeas corpus, interpostos por presos na Operação Lava Jato, o ilustre procurador Manoel Pastana defendeu a manutenção da prisão preventiva. O procurador a defendeu por entender que a segregação cautelar tem a importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais, havendo a possibilidade de os influenciar na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade.

A prisão antes da sentença condenatória, todavia, é medida excepcional, cabível apenas em vista do interesse de preservação da prova, da considerável probabilidade de reiteração delituosa ou de fuga do investigado. Só é de se admitir a prisão preventiva quando a liberdade do investigado constitua um perigo para o processo, um risco para a apuração dos fatos e para a garantia de aplicação futura da lei penal.

Transformar a prisão, sem culpa reconhecida na sentença, em instrumento de constrangimento para forçar a delação é uma proposta que repugna ao Estado de Direito: ou o acusado confessa e entrega seus cúmplices, ou permanece preso à espera do julgamento, com a possibilidade de condenação, mas passível de uma grande redução da pena se colaborar com as investigações.

Evidentemente, não se compadece como o regime democrático que o Estado valha-se do uso da violência para extrair confissões.

Em manifesto à nação, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) asseverou, na terça-feira (2), "ser inadmissível que prisões provisórias se justifiquem para forçar a confissão de acusados", sendo imprescindível o respeito ao devido processo legal e à presunção de inocência.

Além do aspecto moralmente negativo e da afronta à integridade psíquica e física do investigado, essa finalidade outorgada à segregação cautelar desrespeita o devido processo legal, exigência posta tanto pelos procuradores da República como pela OAB. Com efeito, no artigo 4º da Lei de Organização Criminosa se estabelece que na delação o indiciado deve ter colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

Assim, é condição da delação a voluntariedade, sendo a prisão, como meio de pressão para confessar, o inverso da exigência de ser voluntária a delação, pois só há voluntariedade quando não se é coagido moral ou fisicamente.

A delação há de ser voluntária, pouco importando se os motivos determinantes consistem em efetivo arrependimento face aos delitos cometidos ou em interesse desonesto, como o de Silvério dos Reis que delatou a Inconfidência Mineira em troca do perdão das dívidas fiscais e do recebimento de honrarias.

A delação pode ser de interesse da defesa, mas deve, antes de tudo, ser voluntária. Isso não sucede com a que é conquistada por via da imposição de uma prisão injusta e desnecessária se ditada apenas pelo objetivo de se obter uma confissão. A prisão para delatar desfigura a delação.

A luta contra o cancro da corrupção não legitima que se recorra ao veneno do arbítrio e se passe por cima dos princípios constitucionais informativos do processo penal, como assinala o manifesto da OAB.

Miguel Reale Júnior, 70, é advogado, escritor, professor titular de direito penal da Universidade de São Paulo. Foi ministro da Justiça (governo FHC)

Murilo Mendes - Mapa

Me colaram no tempo, me puseram
Uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
Limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
A leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluído,
Depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
Me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
Gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
Alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
Nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
Tonto de vidas, de chriros, de movimentos, de pensamentos,
Não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
É por isso que sai às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
Depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
Na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noites, mulheres andando,
Presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção,
O mundo vai mudar a cara,
A morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
Me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
Na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
Vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
O vento que vem da eternidade suspenderá os passos
Dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
Vibrarei nos canjerês do mar, abraçarei as almas no ar,
Me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
Os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
Aos soldados que perderam a batalha, às mães bem mães,
As fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito...
Viva eu que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
Dos amores raros que tive,
Vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
Tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
Estou no ar,
Na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
No meu quarto modesto da praia de Botafogo,
No pensamento dos homens que movem o mundo,
Nem triste, nem alegre, chama com dois olhos andando,
Sempre em transformação.

Murilo Mendes, um dos mais importantes poetas brasileiros, nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 13 de maio de 1901 e morreu em Lisboa, no dia 13 de agosto de 1975.