domingo, 25 de janeiro de 2015

Do palácio ao petrolão

• O empresário era tão íntimo de Lula que tinha passe livre no Planalto. Rico, ele até hoje resolve os mais diversos problemas do ex-presidente e de sua família. Poderoso, ele agora também é investigado no escândalo da Petrobras.

Rodrigo Rangel e Adriano Ceolin – Veja

Um dos grandes pecuaristas do país, José CarlosBumlai conta que visualizou em sonho sua aproximação com Luiz Inácio Lula da Silva, quando ele era apenas aspirante à Presidência. Com a ajuda de um amigo comum, Bumlai conheceu o petista e o sonho se realizou. O pecuarista tornou-se íntimo de Lula. O sonho embutia uma profecia que ele só confidenciou a poucos: a aproximação renderia excelentes resultados para ambos. Assim foi. Lula chegou ao Planalto, e Bumlai, bom de negócios, bem-sucedido e rico, tornou-se fiel seguidor do presidente, resolvedor de problemas de toda espécie e, claro, receptador de dividendos que uma ligação tão estreita com o poder sempre proporciona. No governo, só duas pessoas entravam no gabinete presidencial sem bater na porta. Bumlai era uma delas. A outra, Marisa Letícia, mulher de Lula.

O acesso livre foi formalizado em agosto de 2008. Certo dia, Bumlai chegou ao Planalto sem avisar. A equipe de segurança, seguindo o protocolo, barrou sua entrada. Foram-lhe exigidas cópia de sua carteira de identidade e informações mais precisas sobre o motivo da visita. O nome dele não constava da lista de pessoas que Lula receberia em audiência naquele dia. Bumlai foi impedido de entrar. Quando Lula soube do episódio, determinou ao Gabinete de Segurança Institucional que mandasse fazer um cartaz com foto, a ser mantido permanentemente na recepção, contendo um aviso incomum: "O sr. José Carlos Bumlai deverá ter prioridade de atendimento (...) em qualquer tempo e qualquer circunstância". Nenhum ministro, nenhum assessor, nenhum parente de Lula mereceu tal deferência.

Discreto e eficiente no cumprimento das tarefas que recebia, o pecuarista foi ocupando espaços. A derrocada dos mensaleiros fez dele interlocutor direto do presidente com diversos setores no mundo empresarial. Bumlai foi encarregado de missões complexas — a montagem do consórcio de empresas que construiriam a usina de Belo Monte, uma obra orçada em 25 bilhões de reais, foi trabalho dele. Cumpriu-as com destreza. Sua influência cresceu a ponto de ele ser mais procurado para intermediar interesses no governo que a maioria dos ministros. O pecuarista, que nunca teve nenhuma função oficial, montou um gabinete num quarto de hotel a 2 quilômetros do Planalto, onde recebia empresários e lobistas que se enfileiravam para vê-lo. Em paralelo, exercia outra tarefa igualmente sensível: virou tutor dos negócios dos filhos do então presidente, em especial de Fábio Luís, o Lulinha.

Desde 2005, sabia-se em Brasília que Bumlai também tinha delegação para tratar de interesses que envolvessem a Petrobras. Foi ele, por exemplo, um dos responsáveis por chancelar o nome do hoje notório Nestor Cerveró, um desconhecido funcionário da estatal, para o posto de diretor internacional da empresa. Em sua missão de conjugar interesses públicos e privados, Bumlai tinha seus parceiros diletos, aos quais dedicava atenção especial. Não demorou para que começassem a chegar ao governo queixas de empresários descontentes com "privilégios incompreensíveis" concedidos aos amigos do amigo do presidente.

Uma das reclamações mais frequentes envolvia justamente a Petrobras e uma empreiteira pouco conhecida até então, a UTC, que de repente passou a assinar contratos milionários com a estatal, ao mesmo tempo em que surgia como uma grande doadora de campanhas, principalmente as do PT. Gigantes da construção civil apontavam Bumlai como responsável pelos "privilégios" que a UTC estava recebendo da Petrobras. Hoje, a escalada dos negócios da UTC é uma peça importante da Operação Lava-Jato, que está desvendando o ultrajante esquema de corrupção montado no coração da estatal para abastecer as contas bancárias de políticos e partidos. A cada depoimento, a cada busca, a cada prova que se encontra, aos poucos as peças vão se encaixando. A última revelação pode ser a chave do quebra-cabeça. Bumlai, o amigo íntimo do ex-presidente que tinha entrada livre ao Palácio do Planalto, está envolvido até o pescoço no escândalo de corrupção montado na Petrobras durante o governo petista.

Bumlai, soube-se agora, ajudou a compor a teia de corrupção na estatal. As investigações da Polícia Federal o colocam como um dos responsáveis pelo acesso que o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, desfrutava na Petrobras. Preso desde novembro, Baiano é mencionado como um dos principais operadores do esquema de propina na estatal. Era ele o responsável por distribuir a parte que cabia ao PMDB.,partido que, junto com o PT e o PP, formava a trinca governista que assaltava os cofres da empresa. Em um dos depoimentos à Justiça, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa revela o papel de relevo que Baiano exercia no esquema — a ponto de atuar dentro da própria Petrobras, viabilizando acordos e estabelecendo condições de negócios, mesmo sem nenhum vínculo funcional com a companhia.

Paulo Roberto contou que coube a Fernando Baiano, por exemplo, alinhavar internamente na Petrobras a polêmica compra da refinaria de Pasadena, no Estado americano do Texas. A aquisição, que, segundo o Tribunal de Contas da União, resultou em um prejuízo de 792 milhões de dólares, teria rendido uma propina de "20 a 30 milhões de dólares" ao PMDB, a Fernando Baiano e a Cerveró, segundo Paulo Roberto. No mesmo depoimento, o ex-diretor confessou que ele próprio recebeu 1,5 milhão de dólares apenas para que não criasse obstáculos ao negócio. Ao apontar as fontes da impressionante influência de Fernando Baiano na Petrobras, Paulo Roberto citou, com nome e sobrenome completo, o amigo de Lula: José Carlos Costa Marques Bumlai.

Não é a primeira vez que Bumlai aparece vinculado a tramóias relacionadas à Petrobras. Em depoimento prestado ao Ministério Público em 2012, Marcos Valério, operador do mensalão, relatou um caso revelador. Segundo ele, um empresário ameaçava dizer que Lula e os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho estavam por trás do assassinato do prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, crime ocorrido em 2002.0 silêncio do chantagista, de acordo com Marcos Valério, foi comprado com 6 milhões de reais. Quem articulou toda a operação? Ele, Bumlai, que levantou o dinheiro necessário para calar a boca do empresário inconformado junto a uma empreiteira que prestava serviços à Petrobras — a fonte do dinheiro sujo era sempre o generoso cofre da estatal. Na semana passada, uma reportagem do Jornal Nacional, da Rede Globo, mostrou que três das empreiteiras mencionadas na Lava-Jato pagaram 4 milhões de reais por "consultorias" ao mensaleiro José Dirceu. Os contratos, segundo o dono de uma delas revelou a VEJA, foram assinados a pedido de João Vaccari, tesoureiro do PT.

Quando estava prestes a deixar o governo, foi a Bumlai que o ex-presidente confiou a tarefa de cuidar do projeto do Instituto Lula — e isso incluía desde a preparação das instalações físicas até a engenharia financeira para bancar as contas da entidade. Bumlai arregimentou mantenedoras de peso para o instituto, entre elas a Odebrecht, a OAS e a Andrade Gutierrez — todas investigadas na Lava-Jato. Há outras histórias, até paroquiais, que ilustram a proximidade entre Lula e Bumlai. O restaurante onde o ex-presidente fez as primeiras reuniões para a criação do PT em São Bernardo do Campo estava afundado em dívidas. Corria o risco de fechar as portas. Laerte Demarchi, o proprietário, pediu ajuda a Lula. Diz ele: "Lula me apresentou um amigo, que pagou a dívida pra mim. Em troca, dei a ele alguns terrenos". Quem era o amigo? Bumlai. Sempre ele. Procurado por VEJA para explicar suas ligações com Baiano, Cerveró e a Petrobras, o amigão de Lula se recusou a falar. Quem sabe ele anda sonhando com alguma outra possibilidade de aproximação que embuta uma profecia de mútuo sucesso financeiro.

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