domingo, 11 de janeiro de 2015

Elio Gaspari - Bolsa para todos, ou para ninguém

• Com dinheiro da Viúva, cozinha-se de novo um mimo para os metalúrgicos e para as montadoras em crise

- O Globo

No ano passado as montadoras de veículos dispensaram 12,4 mil trabalhadores. Neste ano a Volkswagen disse que dispensará mais 800, e a Mercedes-Benz, 244. Disso resultaram greves nas duas empresas. Para um começo de ano, nada pior, e isso é apenas o começo. Só o tempo dirá se Dilma Rousseff e Joaquim Levy vivem no mesmo país, mas o bafo do desemprego de metalúrgicos acordou uma velha ideia: a empresa dispensa o trabalhador e ele vai para casa com uma parte do salário. O pulo do gato está na identidade de quem paga. Copiando-se uma iniciativa alemã, a empresa pagaria uma parte, e a Viúva, outra. Seria a Bolsa Metalúrgico, ou Bolsa Montadora. Isso num governo que acaba de mandar ao Congresso uma medida provisória apertando as exigências feitas a todos os trabalhadores para o acesso ao seguro-desemprego.

Essa ideia já apareceu no início de 2014, quando as vendas de veículos começaram a cair. A analogia com o modelo alemão é mistificadora. Lá, a crise que criou esse gatilho ocorreu em 2009, quando a venda de veículos caiu 30%, o PIB contraiu-se 4%. Em Pindorama a situação é diferente. Ademais, nos últimos anos o mercado de veículos foi estimulado por uma renúncia fiscal de R$ 12,3 bilhões e nem todas as montadoras estão perdendo competitividade.

Não faz sentido botar dinheiro da Viúva para socorrer metalúrgicos e montadoras. Se o mecanismo é bom, deveria valer também para todos os outros setores da economia e para todas as categorias de trabalhadores.

O governo tem dinheiro para ficar com parte da conta? O doutor Levy sabe que não. No seu discurso de posse o novo ministro da Fazenda fez uma crítica do patrimonialismo, "a pior privatização da coisa pública". Citando o historiador Raymundo Faoro, apontou os malefícios do Estado centralizador, com os viscondes e marqueses do império.

Tudo bem, muitos são os males do Estado, mas Faoro mostrou, num quadro do século 19 que persiste no 21, que há gente na outra ponta do problema. Ele escreveu o seguinte:

"O empresário quer a indústria, mas solicita a proteção alfandegária e o crédito público. Duas etapas constituem o ideal do empresário: na cúpula, o amparo estatal; no nível da empresa, a livre iniciativa."

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