quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Emprego terá ano ruim na indústria

• Após demissões em montadoras, especialistas preveem cenário negativo no emprego

Ronaldo D"Ercole, João Sorima Neto, Eliane Oliveira, Geralda Doca e Cristiane Bonfanti - O Globo

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Se a demissão de pouco mais de mil funcionários da Volkswagen e da Mercedes-Benz assustou trabalhadores, as perspectivas para o emprego industrial nos próximos meses são desalentadoras. Segundo analistas e dirigentes industriais, o setor está mergulhado num cenário de dinamismo pífio e não há sinais de mudança. Na avaliação da consultoria Tendências, o fraco desempenho da indústria deve levar a taxa de desemprego geral do país a subir dos 4,8% registrados em 2014 para um patamar em torno de 5,4% este ano.

No ABC paulista ontem, os 11 mil empregados da fábrica da Mercedes aprovaram paralisação por 24 horas contra a demissão de 244 funcionários. Somados aos 13 mil empregados da Volkswagen, que entraram em greve na véspera, eram 24 mil os trabalhadores de braços cruzados na região. Desta vez, o governo afirma que não pretende intervir no embate entre os sindicatos e as montadoras. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, afirmou que, a princípio, são ajustes que aparentemente não se traduzem em um problema setorial:

- Não é um problema que justifique ação direta do governo. Temos entre 130 mil e 140 mil trabalhadores no setor automotivo. Essas demissões representam algo que podemos considerar como uma questão extremamente limitada. Acompanharemos o caso com toda a atenção, mas é algo que se restringe às relações entre empresas e sindicatos.

O ministro do Trabalho, Manoel Dias, disse ao GLOBO que acompanha o caso e ouviu da Anfavea, associação do setor, que há disposição para o diálogo.

- Há vontade das partes de buscar uma solução. Espero que isso ocorra até o fim da semana - disse.

Setor teme impacto de ajuste fiscal
Segundo Rafael Bacciotti, analista da Tendências, a produção industrial deve crescer apenas 1% neste ano depois de recuar 2,8% em 2014. A ligeira melhora, influenciada em parte pela desvalorização cambial, ajudará empresas exportadoras, mas deve ser incapaz de evitar o aumento das demissões.

- Em 2014, a indústria de transformação fechou cerca de 200 mil postos de trabalho. Entre março e novembro o setor só demitiu, na maior sequência de cortes em cinco anos - disse.

Para Paulo Francini, diretor da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), medidas urgentes devem ser tomadas para estancar o corte de vagas. Até novembro do ano passado, a federação registrou quase 150 mil demissões.

Diante do ritmo fraco de produção, o aperto fiscal que está sendo elaborado pelo governo preocupa o setor.

- Tem que fazer os ajustes, mas com cuidado. Nossa indústria já vem muito fraca. Não se pode matar o paciente - diz José Velloso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Segundo a associação, a indústria de máquinas teve queda de 16% a 17% em 2014, o que resultou na demissão de cerca de 12 mil trabalhadores, quase 5% do total de empregos do setor.

Julio Gomes de Almeida, economista da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, avalia que todo ajuste fiscal implica um quadro mais recessivo, o que pode tornar a situação do setor delicada. Para ele, a escassez de mão de obra especializada e as políticas de incentivo a setores como o automobilístico funcionavam como "amortecedores" do desemprego industrial.

- Esses amortecedores já não existem, e a capacidade do setor de serviços de absorver trabalhadores de outras áreas parece esgotada - disse.

O setor automobilístico foi beneficiado com sucessivas desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) nos últimos anos. Mesmo assim, para Stephan Keeze, sócio da consultoria Rolland Berger, a situação do setor é complicada, o que deve resultar em novos cortes de vagas.

- A estrutura de custos fixos das montadoras está muito pesada. Foi dimensionada para um mercado de 4 milhões de veículos e as vendas neste ano não devem passar de 3,2 milhões de unidades - disse, destacando que o auxílio do governo não foi suficiente para mudar o quadro. - Sem os incentivos, as demissões aconteceriam um ano ano antes.

Em visita à nova fábrica da marca em Santa Catarina, o presidente da Mercedes-Benz no Brasil, Philipp Schiemer, admitiu que novos cortes podem acontecer ainda este ano. Além das 244 demissões, a empresa tem mil trabalhadores em licença remunerada ( Layoff ).

- Na nossa empresa, nos últimos dois anos, se fez de tudo para manter o quadro de funcionários estável. Agora estamos chegando no momento em que não dá mais e temos que nos adequar - disse, acrescentando: - Se a situação não melhorar nos próximos meses, teremos que encontrar soluções.

Mesmo setores da indústria com pouca concorrência doméstica dão sinais de fragilidade. A Avibras, maior fabricante nacional de equipamentos militares, prorrogou ontem por mais uma semana a licença remunerada de todos os seus trabalhadores da unidade de Jacareí, no interior paulista, e voltou a atrasar os salários. A licença, segundo a empresa, terminará na próxima segunda-feira. Mas, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, não há solução para o acerto dos salários de dezembro.

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