sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Igor Gielow - Dilma assumiu papel de chefe de um governo sob ataque

• Ao falar em "inimigos externos", A presidente tenta desviar o foco da crise da atual direção da Petrobras

- Folha de S. Paulo

Quatro anos atrás, Dilma Rousseff fez um discurso inaugural permeado por generalidades e tons emotivos. Nesta quinta (1), a presidente reeleita tratou de assumir o papel de comandante em chefe de um governo sob ataque, aplicando retórica assertiva que condensa a tentativa de defesa dos flancos expostos de sua gestão.

Em 2011, Dilma chorou três vezes, falou de carinho familiar e derramou elogios sobre a gestão de seu mentor, Lula. Agora, salvo uma parada ao citar ter sido presa política e um sorriso ao falar sobre o Marco Civil da internet, o tom foi duro, quase distante.

Dilma tratou de rebater pontos da agenda de crise que a acompanha desde 26 de outubro: a interminável agonia da Petrobras, a deterioração da economia e a consequente necessidade de ajuste amargo, além da tensão extrema no PT e em sua base aliada.

Assumindo o passo de guerra convocado por Lula para tentar defender o PT e seus governos, Dilma repetiu o chamamento aos "militantes" e movimentos sociais para a defesa das "mudanças".

O longo capítulo dedicado à Petrobras mostrou uma presidente incomodada com os riscos que a crise na maior empresa brasileira insinua.

Ao fazer a defesa enfática do criticado regime de exploração do pré-sal, que centraliza na estatal poderes de operação que muitos creem ser inexequíveis, e ao falar em "inimigos externos", Dilma tenta desviar o foco da crise da atual direção da empresa.

O outro tema central, a economia, obteve a promessa de um ajuste sem sacrifícios, algo que desafia o senso comum. Na mesma semana em que promoveu um pacote que prevê economia de R$ 18 bilhões anuais em benefícios previdenciários e trabalhistas, Dilma reafirmou que não irá mexer nesses direitos.

Voltou a falar sobre isso, em tom mais informal, no segundo discurso da tarde, no parlatório do Planalto. Isso denota a preocupação do governo com a repercussão negativa das medidas.

Quatro anos atrás, Dilma prometera acabar com a pobreza extrema, adotando a ideia no slogan do governo. Usando os dados discutíveis já explorados na campanha, ela agora anunciou ter alcançado o objetivo --percepção que é colocada à prova com uma visita a qualquer cracolândia de capital brasileira.

Houve generalizações comuns a esse tipo de pronunciamento, e chamou a atenção a semelhança entre o que disse Dilma em 2011 e em 2015 sobre política externa.

Até a ordem de prioridades seguiu o roteiro anterior, com os protocolares acenos aos ricos após enumerar a importância dos pobres. Se a mudança no comando do Itamaraty sugeriu mudanças de rumo numa área negligenciada, o discurso não foi exatamente inspirador.

Por fim, as tradicionais ironias da oratória política. O exemplo maior: o anúncio de um mote de governo envolvendo educação no momento em que o ministério da área foi loteado na bacia das almas para um aliado sem qualquer afinidade com o tema.

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