quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

João Bosco Rabello - O apagão é a luz

– O Estado de S. Paulo

Na história humana a verdade é associada à luz, seja no plano espiritual, seja no material. O melhor desinfetante é o sol, máxima de um século atrás, do juiz Louis Brandeis, da Suprema Corte americana, é a que indica a assepsia mais recomendável em estruturas viciadas, com problemas crônicos, onde se inserem a corrupção e o corporativismo, em alguma medida, sinônimos.

Porém, no caso do governo Dilma, considerando o que ocultou na campanha da reeleição, a verdade ironicamente se fez enxergar na escuridão. O apagão de ontem, por ordem do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) sintetiza a má gestão do primeiro mandato presidencial que tem as outras más notícias no pacote recessivo anunciado em doses diárias pela nova equipe econômica.

A frase do magistrado norte-americano se referia à necessidade de transparência do sistema financeiro que para ele anistiava os capitalistas causadores de crises e penalizava a classe média. A causa aqui se inverte, mas a receita a aplicar é a mesma, pois a população começa a pagar a conta de uma gestão que brigou com as regras capitalistas , perdeu a batalha, e agora emprega um discurso de autoanistia, terceirizando a culpa para o contexto internacional.

É o resultado de erros que vão desde um governo permanentemente em campanha, o que torna tabus temas como racionalização do consumo e estimula medidas populistas – como a redução forçada da conta de luz e tarifas administradas- à teimosia em um modelo econômico exatamente centrado no consumo.

Hoje emerge a realidade de inadimplência alta, crédito mais caro, conta de luz de custo dobrado em relação à redução anterior (de 20% reduzidos ontem se pagará hoje 40% a mais), restrições para direitos trabalhistas e para financiamento estudantil, gasolina e impostos mais altos – uma crise energética sem saída em curto prazo devido ao atraso no cronograma de obras das hidrelétricas e de linhas de transmissão.

Os bloqueios de ordem ideológica que respondem, em parte pelo atraso das obras no setor, também foram alimentados pelo partido do governo que estimula movimentos organizados em confronto com a política de desenvolvimento, como acusam operadoras do norte do Estado. Licenças ambientais demoram anos e quando saem sofrem contestação de grupos com liberdade de ação para boicotar, amparados, em muitos casos, pelo Judiciário.

Os especialistas advertiram seguidamente, pelo menos, desde 2012, para a necessidade de se adotar uma relação clara com a população sobre a necessidade de reeducação de consumo. Mas o governo, sempre em campanha, estava empenhado em fazer o contrário e mostrar que a redução da conta de energia era questão de vontade política que faltara à oposição quando no poder.

A gravidade da situação está demonstrada na forma do apagão de ontem. Ele foi determinado pelo ONS escancarando o desequilíbrio entre demanda e oferta que o governo não pode mais deixar de reconhecer. Quando era preciso uma campanha de racionalização, reduziu a conta estimulando o consumo (mais barato, mais usado), estourou os cofres das distribuidoras e agora faz o corte seletivo que não gera consumo consciente.

“O corte já era esperado com a queda do nível dos reservatórios e consumo maior que a oferta. Tinha de ser feita uma política de racionalização, com campanha de eficiência energética e de esclarecimento”, pontua a consultora para o setor, Elena Landau.

Não há como minimizar os efeitos. Em São Paulo, mais de 2 milhões de consumidores ficaram sem luz, produzindo cenas de metrôs parados subitamente e passageiros a pé, nos trilhos, onde rodam os trens. Foram afetados, nas mesmas proporções, a Capital da república, mais o Rio, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rondônia e Amapá.

A frase do juiz mencionada anteriormente se aplica também ao sistema financeiro que a inspirou no contexto norte-americano de quase um século. A contabilidade criativa derrete como cera ao calor da erupção das contas públicas, cujo deterioramento foi sempre negado. O modelo “rudimentar” que a presidente Dilma resolveu substituir por um de sua própria lavra, exige agora antibiótico de largo espectro para revertê-lo.

O atraso nas obras e as dificuldades econômicas não apontam saída estrutural em curto prazo, o que agrava a situação de um governo acuado e pobre em recursos técnicos, humanos e materiais – e ao qual, portanto, falta também luz para gerir a crise.

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