quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Luiz Carlos Azedo - O confisco e a gastança

• Destaca-se a perversidade do veto de Dilma Rousseff à correção do Imposto de Renda, que não compensará a inflação e tungará parte dos ajustes de salários

- Correio Braziliense

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello pôs o dedo na ferida ao criticar o aumento na carga tributária anunciado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o veto da presidente Dilma Rousseff à correção de 6,5% da tabela do Imposto de Renda. Segundo o ministro, em entrevista ao jornal O Globo, o governo “forçou a mão”. E foi mesmo, pois jogou o ônus do ajuste fiscal nas costas dos assalariados e da classe média, que ainda vão pagar mais caro pela energia elétrica e pela gasolina (com o petróleo em baixa).

Na campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff disse que não faria isso “nem que a vaca tossisse”; agora, parece que está com bronquite. Nos primeiros 20 dias do segundo mandato, o saco de maldades para enfrentar o deficit público é muito maior do que aquele que atribuíra à oposição nos debates eleitorais. Não é à toa que a presidente da República tomou chá de sumiço e deixa o novo ministro da Fazenda pôr a cara na reta.

Marco Aurélio aponta o xis da questão: “Eu fico triste quando percebo menoscabo em relação à ordem jurídica constitucional. O Estado tem que adotar uma postura que sirva de norte ao cidadão. Ante a carga de impostos sofrida pelos brasileiros, qualquer aumento tributário é confisco. O que eles têm que fazer é enxugar a máquina administrativa, reduzir os gastos. Na sua casa, você gasta mais do que a receita? Não. Nós brasileiros já contribuímos em muito. Esperamos que o que é arrecadado não vá pelo ralo”.

A redução de gastos do governo com cortes no Orçamento e outras medidas corresponderia a uma economia de mais de R$ 30 bilhões neste ano. Mesmo assim, é considerada insuficiente. É que as restrições no acesso a benefícios como o seguro-desemprego e o contingenciamento preventivo no Orçamento não garantem o cumprimento da meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública), que foi fixada em R$ 66,32 bilhões, ou seja, 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015.

Diante disso, a opção foi elevar as tarifas reduzidas pelo governo na gestão do ministro Guido Mantega: a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis, que estava zerada desde 2012; e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), congelado em 1,5% havia dois anos e que foi elevado a 3%. Levy argumenta que não é possível restabelecer o equilíbrio fiscal sem aumentar impostos. Será mesmo?

O estado da nação
Na verdade, há uma lógica perversa no ajuste: na prática, haverá uma maior intervenção do Estado na economia porque aumentará a fatia do PIB abocanhada pelo Orçamento da União. A perversidade está no fato de que esse aumento decorre da preservação da estrutura paquidérmica do governo, com seus 39 ministérios, e dos custos financeiros da alta da taxa de juros sobre a dívida pública.

De fato, seria muito difícil arrumar as contas públicas somente com redução de gastos. Não houve enxugamento da máquina pública, com redução do número de ministérios, extinção de cargos comissionados e desativação de programas e serviços burocráticos que atrapalham mais do que ajudam os cidadãos (em detrimento da qualidade da educação, da saúde, da segurança e da mobilidade urbana).

O efeito colateral do ajuste será a elevação da inflação e o crescimento zero em 2015, uma espécie de preço a pagar para restabelecer a confiança do mercado e garantir investimentos futuros, segundo o novo ministro Joaquim Levy. Destaca-se a perversidade do veto de Dilma Rousseff à correção do Imposto de Renda, que não compensará a inflação e tungará parte dos ajustes de salários. Muitos terão de pagar mais simplesmente porque conseguiram repor as perdas com a inflação. A correção de 4,5% proposta pelo governo, na prática, representa um confisco social.

Tudo isso não deixa de ser uma grande ironia diante do que acontece nos Estados Unidos, cujo declínio era considerado inexorável por estrategistas do Planalto quando a presidente Dilma Rousseff enveredou pela “nova matriz econômica” e apostou tudo no crescimento dos BRICs (Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil). O presidente Barack Obama, em seu discurso no Congresso intitulado “O estado da nação”, acaba de propor a taxação das grandes fortunas, a elevação do salário mínimo e a garantia de ensino superior gratuito para as camadas mais pobres da população terem acesso aos bons empregos. Os EUA saíram da crise e a Casa Branca quer combater as desigualdades sociais na retomada do crescimento, ou seja, revigorar “o sonho americano”.

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