domingo, 18 de janeiro de 2015

Luiz Carlos Azedo - O príncipe e o patinho feio

• Bastaria uma conexão do propinoduto da Petrobras com a campanha de Dilma Rousseff para a oposição entrar com um pedido de impeachment da presidente da República

- Correio Braziliense

Quem não conhece a história O patinho feio, do dinamarquês Hans Christian Andersen, filho de sapateiro que se tornou um dos mais populares autores de contos infantis de todos os tempos? Escrita em 1843, correu o mundo e permanece sempre atual, porque é um libelo contra a discriminação e uma advertência de que os enjeitados podem dar a volta por cima.

É a fábula de uma pata e sua ninhada. Quando os patinhos nasceram, havia um que era gordo e muito feio, razão pela qual a pata não gostava dele. Os dias foram se passando, os patinhos foram crescendo e passaram a reproduzir o desprezo da mãe pelo suposto irmão. Um dia a pata mandou-o embora, disse-lhe que era a vergonha da família. O patinho feio foi viver sozinho nas margens de um lago, até que encontrou alguns cisnes e descobriu que era um deles. E havia crescido!

A fábula vem ao caso por causa da situação do vice-presidente Michel Temer (PMDB). Ele é o patinho feio no Palácio do Planalto, ou melhor, no anexo onde funciona o seu gabinete. Embora tenha desempenhado um papel decisivo na reeleição da presidente Dilma Rousseff, ao lhe garantir o apoio da maioria de seu partido e, com isso, o tempo de televisão do PMDB, foi completamente excluído do núcleo político do governo. Dele fazem parte o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante; o secretário-geral da Presidência, Miguel Rosseto; o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas; o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini: e o ministro da Defesa, Jaques Wagner — todos petistas.

A lógica mais elementar levaria Temer a integrar o estado-maior governista, pois trata-se do presidente do principal partido aliado do governo. Sua presença nas reuniões seria sempre uma opinião qualificada a mais, e jamais seria um voto decisivo num colegiado formado por petistas identificados com a presidente da República. Só há uma razão para sua exclusão: a desconfiança.

Dilma Rousseff trata Michel Temer não como aliado principal, mas como possível adversário à própria retaguarda, um imaginário “quinta-coluna”, para usar a clássica expressão da Guerra Civil Espanhola. Toda a movimentação política do governo, desde a montagem da nova equipe ministerial, foi feita para enfraquecer o PMDB.

As articulações do governo em vista às eleições das mesas do Congresso, igualmente. Parece que o governo procura tecer uma blindagem contra o PMDB, opondo-se firmemente à candidatura de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara, e incensando a do senador Luiz Henrique (PMDB-SC) para dividir a legenda na reeleição de Renan Calheiros (AL).

Operação de alto risco, a estratégia do Palácio do Planalto aposta no desgaste dos dois líderes do PMDB com a opinião pública. Denúncias de suposto envolvimento dos caciques da legenda com o escândalo da Petrobras, que está sendo investigado pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal, facilitam as articulações palacianas. Os nomes de Renan e Cunha já foram vazados como supostos envolvidos no esquema de propina, embora nada exista ainda oficialmente contra eles.

O cisne
O bom senso político aconselharia mais distância das disputas internas do Congresso. A cúpula do PMDB já mandou recado de que não se sente contemplada com a participação da legenda no governo e que, por essa razão, aí mesmo que não abre mão do comando do Congresso. Por que então a presidente Dilma corre o risco de ser derrotada tanto na Câmara quanto no Senado?

É que Michel Temer pode ser o patinho feio que virou cisne, como na fábula de Andersen. Bastaria uma conexão do propinoduto da Petrobras com a campanha de Dilma Rousseff para a oposição entrar com um pedido de impeachment da presidente da República. O vice-presidente, como em outro momento da história recente, seria o maior beneficiado.

E o príncipe? Não, não é o ministro Mercadante, tratado como tal pela presidente Dilma. Trata-se do clássico seminal de Nicolau Machiavelli, O príncipe, escrito em 1503, tão atual quanto a história da pata e dos seus ovos, embora bem mais antigo.

O genial florentino, entre os muitos ensinamentos da obra dedicada a Lourenço de Médice, dizia que as contingências (Fortuna não têm o monopólio do destino, mas podem transformar certas características positivas dos príncipes (Virtù) em fatores negativos decisivos para a sua própria derrota. Dilma Rousseff procura se adaptar às circunstâncias da economia, mas seu “castilhismo” não permite que faça o mesmo em relação à conjuntura política.

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