terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Luiz Carlos Azedo - A volta do “economês”

• O coro contra Levy pode se voltar contra a própria presidente Dilma, numa manobra para livrar o ex-presidente Lula do desgaste causado por eventuais medidas impopulares

- Correio Braziliense

Estrela solitária da equipe ministerial, o novo titular da Fazenda, Joaquim Levy, parece que aprendeu com o colega do Planejamento, Nelson Barbosa, que andou falando português claro e já teve que engolir as próprias palavras. Ontem, na posse, o novo ministro da Fazenda usou e abusou da linguagem cifrada dos economistas — o “economês” — para sinalizar ao mercado o que pretende fazer sem correr o risco de levar um puxão de orelhas da presidente Dilma Rousseff.

Na sexta-feira passada, Barbosa anunciou mudanças na regra de reajuste do salário-mínimo, uma tese defendida por nove entre dez economistas, mas foi obrigado a se desdizer por meio de nota oficial do Ministério do Planejamento. Como se sabe, a nova equipe econômica considera a elevação do salário real acima da produtividade um fator inflacionário.

Levy fez de conta que o problema não existiu. Proferiu um discurso em linguagem quase incompreensível para os cidadãos comuns, mas que é música para os ouvidos dos agentes do mercado: “A harmonização da tributação dos instrumentos de investimento, por exemplo, será essencial para a expansão do mercado de capitais e o financiamento interno competitivo. O tratamento diferenciado a pequenas e médias empresas de grande importância prosseguirá com crescente transparência e visão de longo prazo.”

Antecipou que “possíveis ajustes em alguns tributos serão também considerados, especialmente aqueles que tendam aumentar a poupança doméstica e reduzir desbalanceamentos setoriais da carga tributária”. Esse é um recado de que pretende rever as isenções fiscais concedidas pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que não compareceu à cerimônia de transmissão de cargo.

Punhaladas
O gesto de Mantega só confirmou as informações de que a transição entre a equipe econômica que sai e a que entra foi uma luta de punhais. A última punhalada foi pelas costas: o ex-secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin, que havia prometido repasses ao setor elétrico em dezembro, “pedalou” R$ 1,25 bilhão para janeiro e deixou para Levy um rombo de R$ 6 bilhões.

A Fazenda terá que arrumar recursos para cobrir o déficit de 2014 da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que financia a redução nas tarifas de energia. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já trabalha com uma estimativa de um saldo negativo de R$ 4,5 bilhões. A maior parte dessa despesa é de subsídios devidos pelo Tesouro Nacional relativos a despesas ocorridas ao longo de 2014, mas que ainda não foram contabilizados nas estatísticas do setor.

Não foi à toa, portanto, que o novo ministro da Fazenda afirmou que mudança tributária terá que ser “coerente com a trajetória do gasto público” e que não pretende procurar “atalhos e benefícios” que gerem redução de tributação, “por mais atraentes que sejam”, sem considerar seus efeitos na “solvência do Estado”. Num ataque direto à gestão anterior, sustentou que essa é “a fórmula para o baixo crescimento endêmico”. Dilma, porém, é que foi a ideóloga da “matriz econômica” que fracassou.

O ministro pretende resgatar o “mais do mesmo” — superávit fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante — para o país sair do buraco: déficit comercial de US$ 3,9 bilhões, inflação em 6,39% e PIB de 0,5%, segundo o Boletim Focus do Banco Central (BC). Para Levy, a saída é o fortalecimento fiscal e o aumento da poupança, para reduzir os riscos dos investimentos e dar confiança e independência à iniciativa privada.

Deixando o “economês” de lado, não será nada fácil a vida do novo ministro da Fazenda, que assumiu com ares de que teria grande autonomia, mas já descobriu que precisa se mover com cuidado, pois está cercado de adversários dentro do governo. Não é só a oposição que cobra coerência da presidente Dilma Rousseff, pois está fazendo aquilo que disse que os adversários fariam se fossem eleitos. Dentro do PT, a mobilização contra Levy também é grande, inclusive dos economistas militantes.

Além disso, o coro contra Levy pode se voltar contra a própria presidente da República, numa manobra para livrar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do desgaste causado por eventuais medidas impopulares.

Volto já – Depois de trabalhar no Natal e no ano-novo, o titular da coluna descansará uma semana. Estarei de volta na quarta-feira, dia 14 de janeiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário