segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Luiz Carlos Mendonça de Barros - O que acontece com o petróleo

• A Opep forçou a queda para levar à bancarrota as empresas agressivas que produzem óleo a partir do xisto nos EUA

- Valor Econômico

A queda recente do preço do petróleo deve entrar para a história como um dos eventos mais inesperados dos últimos anos nas economias de mercado. Foi um tombo de mais de 50% no valor de uma das mais importantes commodities na matriz produtiva do mundo moderno. Sua causa principal foi uma mudança radical nos objetivos do cartel Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), depois de um longo e exitoso período em que estabilizar os preços do petróleo em níveis elevados era sua política.

Estas mudanças terão forte influência na vida econômica de muitas sociedades, desde os pequenos reinos do Oriente Médio produtores de petróleo até as gigantescas economias dos Estados Unidos e da China. Seus efeitos serão sentidos tanto ao nível macro econômico, como na dimensão da microeconomia.

Nas sociedades mais ricas, de elevado consumo desse produto e seus derivados, como EUA e Europa, tudo vai se passar como se o consumidor tivesse, de uma hora para outra, um ganho expressivo de renda. Algo semelhante a uma redução dos impostos pagos ao governo. Esse efeito será ainda maior na economia dos países que importam petróleo pois o valor gasto com gasolina e outros produtos é enviado como pagamento de renda a sociedades com reduzida inserção na economia mundial e, portanto, com pequena influência no PIB mundial.

Explicando melhor, essa renda vai agora para o cidadão americano ou chinês e deixa de chegar à família real de pequenos reinos exportadores do produto ou de nações da costa atlântica da África controladas por governos corruptos e ineficientes. Há claramente um ganho de eficiência para a economia do mundo.

Esta dimensão micro dos efeitos da queda do petróleo deverá estimular - principalmente - o crescimento nas quatro grandes economias do mundo, Estados Unidos, China, Europa e Japão. A partir desse grupo, os estímulos de crescimento causados pelo petróleo a cinquenta dólares o barril vão chegar também aos emergentes, inclusive Brasil.

A grande questão que se coloca hoje diante dos analistas é se este movimento de preços mais baixos será perene ou não. Para respondê-la é preciso compreender as causas estruturais do movimento atual. A simples resposta dada pela maior parte dos analistas - o preço caiu por que a oferta hoje é maior que a demanda - mais confunde do que explica.

Para se chegar a um entendimento mais claro é preciso lembrar ao leitor que o mercado de petróleo é dominado - há muitas décadas - por um cartel de produtores, liderado pela Arábia Saudita. Este país, junto com outros pequenos reinos do Oriente Médio, impõe um controle rígido sobre a oferta com o objetivo de manter os preços elevados. Quando, por razões econômicas, ocorre uma queda da demanda mundial a Opep reduz a produção, equalizando a oferta ao novo nível de demanda e mantendo o preço elevado constante.

A Opep tem demonstrado uma disciplina impressionante nestes anos todos, obtendo com isto seus objetivos de cobrar caro por seus produtos. Mas, com o passar do tempo, esqueceu-se de que as economias de mercado têm formas adequadas para reagir a este tipo de extorsão. Preços muito elevados estimularam o aparecimento de novas tecnologias, viabilizando a produção de petróleo e gás natural em regiões menos favorecidas por Deus, como as grandes bacias oceânicas de Campos, do litoral atlântico da África, do Golfo do México e o Pré-Sal brasileiro.

Mas é o desenvolvimento da tecnologia de extração de gás e óleo das enormes reservas de xisto betuminoso nos EUA que representa a maior ameaça ao cartel liderado pela Arábia Saudita. Uma imagem adequada parece ser a do último pedaço de palha, que colocada no lombo de um camelo faz o animal arriar sob o peso da carga.

O volume de petróleo já produzido nas reservas de xisto nos Estados Unidos e a dimensão de outras reservas semelhantes mundo a fora, forçaram a Arábia Saudita a agir. Pela primeira vez na sua história, em vez de usar a arma da redução da produção para manter o preço de US$ 100 o barril, a Opep forçou a queda atual. Seu objetivo claro e definido é o de levar à bancarrota as empresas mais agressivas que produzem hoje óleo a partir do xisto nos Estados Unidos e, com isto, inviabilizar o desenvolvimento de outras áreas de exploração na Argentina, China e em outros países.

Tomando estes marcos como base de nosso raciocínio, podemos traçar um primeiro desenho do que deve acontecer no mercado de petróleo nos próximos meses. Para ter sucesso nesta empreitada a Arábia Saudita - e a Opep- terá que encontrar um novo patamar para o preço de seus produtos. Não há acordo entre os analistas mais sábios do mercado de petróleo sobre qual será este ajuste. Uma primeira estimativa parece ser algo próximo a US$ 70 o barril, o que viabilizaria ainda o Pré-Sal brasileiro, mas não a exploração do xisto.

Mas será preciso ainda um longo período de ajustes para que o mercado encontre um novo nível a partir do qual a Opep voltará a exercer sua função de estabilizar em prazo mais longo o mercado de petróleo. Neste período a Petrobras vai ter o privilégio de continuar a vender a maior parte de seus produtos a um barril de petróleo de cerca de US$ 90 auferindo inclusive lucros elevados com as importações que realiza.
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Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

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