sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Merval Pereira - A corrupção continua

- O Globo

A denúncia dos procuradores da Operação Lava-Jato sobre indícios de que a corrupção não foi estancada na Petrobras, mesmo depois de todas as prisões e de todas as investigações que estão sendo feitas, é a mais grave que poderia surgir a esta altura dos acontecimentos, e justificaria a demissão sumária de toda a diretoria atual da estatal, a começar pela presidente da empresa, Graça Foster.

Não importa o argumento do ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, de que não há nenhuma acusação contra a atual presidente da Petrobras ou diretores, pois a responsabilidade dos dirigentes da estatal é muito clara. E, se eles são incapazes de controlar os desvios já denunciados e comprovados, não podem continuar onde estão. Outra coisa é a bobagem dita pelo advogado de Nestor Cerveró, que quis comparar a situação de seu cliente com a de Graça, que também transferiu seus bens a familiares. A prisão preventiva é medida cautelar necessária para conter o arroubo de Cerveró em se livrar dos bens. Mas Graça não está sequer sendo investigada, portanto, não há nenhum impedimento legal para que ela aliene seus bens — o que não impede o Ministério Público, havendo indícios de improbidade administrativa, de pedir ao Judiciário a anulação das alienações, notadamente as doações.

O termo "estancado" usado pelos procuradores parece ser uma resposta direta à presidente Dilma, que, em setembro do ano passado, depois de definir como "estarrecedor" esquema criminoso da Petrobras, saiu-se com esta: "Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, eu posso garantir que todas, vamos dizer assim, as sangrias que eventualmente pudessem existir estão estancadas". Foi a primeira vez em que ela admitiu que poderia ter havido "sangrias" na Petrobras. E arrematou a declaração com uma confissão surpreendente para quem há 12 anos atua na área, tendo sido presidente do Conselho de Administração da Petrobras: "Eu não tinha a menor ideia de que isso ocorria dentro da empresa". Em artigo em um site especializado em Direito, o "Migalhas ", Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, analisa a responsabilidade do controlador de uma empresa estatal como a Petrobras , de economia mista.

Cita o artigo 117 da Lei das Sociedades Anônimas, que define que o controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder , dos quais o dispositivo no seu parágrafo 1º dá alguns exemplos , entre tantas situações que podem ocorrer: "a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao in ter esse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional" . O professor enquadra nesse item o porto em Cuba e a compra da refinaria de Pasadena. "e) induzir , ou tentar induzir , administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta lei e no estatuto, promover , contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia geral". Os dirigentes das empresas e os membros de seu Conselho de Administração têm também o dever de diligência, ressalta o professor, pelo qual o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.

A própria palavra "diligência ", diz ele, mostra que o papel do administrador é ativo , e não passivo. "Ele não pode ficar sentado atrás da sua mesa esperando tomar conhecimento do que acontece na sociedade que gere e exercer a sua função na medida em que cheguem papéis para a sua assinatura. Principalmente no que diz respeito ao conselheiro de Administração, essa diligência envolve estar sempre atento. E não somente isso: ele deve sair atrás de informações, e não apenas aguardar que elas cheguem. Para tanto, ele tem todos os poderes necessários". Para deixar clara a responsabilidade dos dirigentes e conselheiros de uma empresa de economia mista, Verçosa pergunta aos diretores e conselheiros: "Cadê os relatórios críticos e sua discordância expressa em relação ao grande baile da Ilha Fiscal? (...) Onde estão os seus votos divergentes, seus pareceres contrários, sua inconformidade, afinal de contas?".

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