sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Merval Pereira - Faz de conta

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff, que tomou posse ontem para um segundo mandato, continua vivendo no mundo de "faz de conta" que o marqueteiro João Santana criou para a campanha eleitoral, e trouxe de lá mais um lema que se choca com a realidade que a presidente insiste em negar.

Quando afirma que o projeto de nação que representa prevaleceu nas urnas, ela entra em contradição com a admissão de que o país exige mudanças, que se propõe a realizar mesmo que afirme sempre que tudo vai às mil maravilhas. E deleta da memória que "fez o diabo" para se reeleger, utilizando ferramentas nada democráticas, que nada têm a ver com um projeto de nação, mas com um projeto de poder.

"Brasil, pátria educadora" seria um bom mote para um governo renovador, se não fosse apenas um achado propagandístico, e refletisse um verdadeiro objetivo prioritário, desmentido logo de cara com a escolha do ex-governador Cid Gomes para o Ministério da Educação, sem o menor contato com a área e sem projeto educacional digno de nome.

O improviso da escolha do ministro, que chegou a recusar o cargo, indicando o quanto lhe importa a "pátria educadora"" mostra bem que o projeto que a presidente Dilma anunciou ontem é oco de conteúdo, e entra na lista de mais um dos muitos passes de mágica com que a presidente se acostumou a ganhar eleições e a governar da boca para fora.

Ao tentar dar um sentido mais amplo ao dístico, afirmando que ele indica que "devemos buscar, em todas as ações do governo, um sentido formador, uma prática cidadã, um compromisso de ética e sentimento republicano" a presidente Dilma só fez ampliar mais ainda a falsidade da afirmativa, pois a escolha do ministro da área, que será "a prioridade das prioridades"; deveu-se apenas à necessidade de dar um lugar de destaque ao PROS — um partido criado de improviso para dar abrigo à dissidência dos Gomes e permitir que fizessem a campanha de Dilma contra a candidatura original de Eduardo Campos, do PSB.

Uma distorção do presidencialismo de coalizão que gerou escândalos como o mensalão e agora o petrolão, na prática do toma lá dá cá, que pode ser tudo, menos ético. E, se o compromisso é com a ética republicana, como explicar o surgimento de escândalos de tamanha magnitude na Petrobras?

Quando se referiu ao esquema de corrupção na estatal, a presidente Dilma mais uma vez fugiu da realidade que a envolve diretamente, por ter sido a controladora da área nos últimos 12 anos de governos petistas, ao dizer que a empresa foi vítima de servidores que não souberam honrá-la.

Ora, a empresa foi vítima de uma armação política engendrada pelo Palácio do Planalto para financiar partidos políticos aliados, e o que aconteceu em consequência nada teve de ocasional ou dependeu deste ou daquele funcionário da Petrobras.

A empresa foi usada pelo PT como alimentadora de um esquema político que não quer largar o poder tão cedo.

Ao longo de seu discurso no Congresso, a presidente Dilma desfilou por um mundo paralelo em que parece ainda viver, sem assumir a responsabilidade pela situação caótica em que entregou o país para si mesma, e parecendo não se sentir responsável pela correção de rumos que terá de ser feita neste segundo mandato.

O mais próximo de uma autocrítica, se quisermos ter boa vontade, foi quando reconheceu que as mudanças que precisam ser feitas dependem da credibilidade e da estabilidade da economia. Mas então se desdisse, afirmando que isso "nunca foi novidade" pois sempre orientou suas ações pela centralidade do controle da inflação e pelo imperativo da disciplina fiscal.

Se sempre foi assim, o que aconteceu para que tudo desandasse nos quatro anos anteriores, em que esteve à frente do governo, que agora precisa de ajustes tão duros e prolongados? A única explicação plausível é que, ao contrário do que todos dizem, era o ministro Guido Mantega quem comandava a economia, e a presidente Dilma não tinha nada a ver com as decisões tomadas. Como na Petrobras.

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