terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Merval Pereira - O enigma grego

- O Globo

O pragmatismo político de Lula ainda é uma marca forte na memória política internacional, e serve para que seja feita uma analogia entre seu comportamento moderado no governo, embora dito de esquerda, com o líder do partido de esquerda radical da Grécia Syriza, Alexis Tsipras, nomeado primeiro-ministro depois de fazer um acordo com o pequeno partido de direita nacionalista Gregos Independentes, que obteve 13 lugares e juntou-se às 149 cadeiras que o partido de esquerda obteve nas eleições.

Unir-se a um partido de direita não indica necessariamente que Tsipras esteja moderando seu discurso. Ao contrário, os Gregos Independentes mantêm um discurso antiausteridade pela direita, com toques nacionalistas e populistas que podem até mesmo dificultar eventuais acordos moderados. O jornal econômico inglês "Financial Times" levantou uma curiosa questão a respeito de Tsipras: ele no governo se comportará como um líder de esquerda radical como foi Hugo Chávez na Venezuela, ou como um líder pragmático como foi Lula, que, segundo a análise do jornal, mostrou-se um reformador e não um radical?

Fora o fato de que Lula pode ter sido tudo, menos um reformador, é interessante a análise de o líder de esquerda eleito na Grécia só encontrar parâmetros na América Latina, e a dúvida que toma conta do mercado sobre os próximos passos da Grécia diante da dívida com os credores é contrastante com a euforia que dominou os mesmos mercados na semana passada, quando Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, anunciou injetar dinheiro nos países da comunidade europeia.

O discurso vitorioso nas urnas gregas vai de encontro ao que prevaleceu no Fórum Econômico Mundial em Davos, encerrado na semana passada, mas que também não considera as medidas do Banco Central Europeu suficientes para solucionar os problemas econômicos da região. Assim como a presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, indicou que a Grécia tem de manter os compromissos com a comunidade europeia mas, sobretudo, tem de realizar as reformas na economia que darão estabilidade ao país, muitos outros líderes, em Davos, mostraram-se preocupados com a falta de reformas estruturais na região.

Participantes da sessão "O novo contexto do crescimento" foram unânimes em afirmar que a política monetária não é suficiente para incentivar o crescimento, questão que diz respeito ao Brasil, que andou em Davos anunciando a nova política econômica, que está baseada na política monetária, embora o novo ministro da Fazenda tenha dito que o objetivo seja estimular investimentos na infraestrutura do país. Mas não falou de reformas estruturais, mais difíceis de aprovar em um ambiente político conturbado como o nosso.

Axel A. Weber, presidente do banco suíço UBS, falou especificamente em reformas trabalhistas e previdenciárias, citando as da época de Schroeder na Alemanha. O vice-diretor do FMI, Min Zhu, confirmou que o único movimento que importa hoje é na direção de reformas estruturais, e John Rice, vice-presidente da GE, enfatizou que os projetos em infraestrutura são essenciais para garantir um crescimento inclusivo, com empregos.

Como em outras vezes em Davos, uma representante da China, a cofundadora de uma das maiores construtoras de imóveis do país, Zhang Xin, chamou a atenção para o fato de que a China tem, ao contrário da Europa, investimentos e consumo e, por isso, está se voltando para seu mercado interno. Mas, para ela, as reformas que incentivam o consumo estão em ritmo lento e têm de ser aprofundadas. No Brasil, setores da esquerda do governo misturam a expansão monetária incentivada pelo Banco Central Europeu com a vitória dos radicais esquerdistas da Grécia para chegar à conclusão de que o discurso de antiausteridade terá repercussão na Europa e deveria ter no Brasil. Ao mesmo tempo, apontam a política chinesa de incentivo ao consumo como sinal de que a nova equipe econômica brasileira está no caminho errado. Fingem não saber que o país está quebrado porque desde o segundo governo Lula, e marcadamente no primeiro governo Dilma, apelou-se para uma política de incentivo ao consumo que só provocou inflação e crescimento econômico pífio.

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