domingo, 25 de janeiro de 2015

Miriam Leitão - Além do céu

- O Globo

No verão tórrido de 2015 olhamos para o céu à espera de gotas de água salvadoras. Mesmo se chover bastante, não será o suficiente porque o país foi longe demais na direção errada. Os governos deveriam fazer agora um gabinete de gestão de crise para enfrentar a escassez de energia e água no país. Foi assim no apagão de 2001. A Califórnia enfrenta a seca tomando medidas duras.

Uma terrível seca atingiu também a Califórnia. As autoridades não ficaram esperando a chuva. O governo do estado e as prefeituras dos municípios mais afetados se uniram para racionar o que era escasso e administrar a crise. As autoridades de recursos hídricos afirmam que, quando ocorre fenômeno dessa gravidade, a situação demora a se regularizar. Mesmo se as chuvas — e a neve — forem abundantes, levará tempo até a normalização dos reservatórios de produção de energia e de abastecimento de água. Por isso, o racionamento está sendo rigoroso. Para se entender a dimensão: a oferta de água passou a ser de 10% e agora, que choveu um pouco mais, passou para 15% do consumo. Os californianos têm que viver com isso, apenas, porque as autoridades querem restabelecer o nível seguro dos reservatórios.

As crises provocadas por extremos climáticos vão se repetir com mais frequência e intensidade no futuro, segundo os cientistas. Por isso, o Brasil tem que aprender a lidar com elas da maneira correta, criando uma metodologia de gerenciamento de crises. A primeira atitude é não esperar que a solução caia do céu. A segunda é ter um grupo de pessoas de alto nível dedicado à administração da emergência.

Foi assim no governo Fernando Henrique. Ele errou na falta de planejamento que levou ao apagão de 2001, mas a gestão daquela crise ensinou muito e treinou muita gente. Com o ministro-chefe da Casa Civil da época Pedro Parente deslocado para gerenciar o problema, estavam pessoas como Mário Veiga, um dos maiores especialistas em energia, e Jerson Kelman, que depois fundou a Agência Nacional de Águas e acaba de assumir a presidência da Sabesp.

Aquele grupo nunca negou a dimensão da crise, tomou medidas para a redução do consumo, fez campanhas, mobilizou a população e criou soluções como a instalação das termelétricas como garantia do sistema hidrelétrico. Depois disso, muito poderia ter sido feito, e não foi, para substituir a emergencial opção pelas térmicas fósseis por uma matriz diversificada e limpa.

O mundo da energia mudou muito desde então. As energias eólica e a solar cresceram fortemente em países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos e China, tornaram-se mais baratas e derrubaram o mito de que seriam apenas um detalhe na matriz. As duas fontes podem produzir juntas, instalando-se no mesmo espaço, as torres e os painéis fotovoltaicos. No Estado da União, discurso anual que faz no Congresso, o presidente americano Barack Obama disse que eles são “o número um em energia eólica no mundo” e acrescentou: “a cada três semanas nós colocamos na rede mais energia solar do que em todo o ano de 2008”.

Foram desenvolvidas em vários países soluções, como a geração distribuída: pequenos centros geradores são instalados em casas, prédios e empresas e se conectam à rede. Ofertam energia, em alguns momentos, e compram, em outros. Desta forma, painéis de energia solar são disseminados, e o consumidor paga menos pela energia. O que ele fornece é descontado do que tem a pagar na conta de luz. Uma das vantagens, hoje, da Califórnia, no setor de geração de eletricidade.

Desenvolveram-se tecnologias e métodos de economia de energia. O conceito vai além de apagar as luzes desnecessárias ou ter eletrodomésticos que consomem menos. O desperdício de água e de energia é reduzido com projetos de eficiência energética e de proteção da rede contra vazamentos.

O Brasil apostou nas grandes obras na Amazônia, que geram controvérsia, atrasam e permitem aditivos e sobrepreços. A energia eólica se impôs por insistência do setor, e a solar não tem tido incentivo do mesmo governo que mantém, até hoje, subsídio de R$ 1 bilhão por ano ao carvão. Se o governo tivesse investido nas novas fontes renováveis, na geração distribuída, na eficiência energética, estaríamos menos aflitos neste verão. Teríamos poupado água nos reservatórios e aguardaríamos mais calmos os desígnios do céu.

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