domingo, 4 de janeiro de 2015

Míriam Leitão - Nó em pingo d"água

- Globo

Será que foi só falta de água? As autoridades falaram que 2014 foi a pior seca em 83 anos, mas um dos indicadores, a Energia Natural Afluente, ficou em 86% no Sistema Interligado Nacional e 74% no Sudeste/Centro-Oeste. Não foi tão catastrófico. Esse índice mede a água da chuva que chega aos reservatórios em relação à média histórica em cada período. Mais do que água, faltou gestão.

O problema é que choveu errado. Nos meses que chove mais, a afluência foi baixa; nos meses secos, foi alta. Isso não ajuda muito, porque se o volume de chuva em relação à média histórica é alta, mas o mês é seco, não se recupera os reservatórios. O ONS olha a afluência e não o nível de água nos reservatórios, segundo o próprio órgão me explicou ao justificar o fato de ter reduzido o risco de desabastecimento, quando os sinais eram de que o risco aumentavam.

Em vez de olhar os riscos, o governo incentivou o consumo de energia quando derrubou os preços. Acabou tendo que elevar o preço, neutralizar a queda da tarifa, e começar o segundo mandato sob o fantasma de um tarifaço na energia.

A presidente Dilma terá que desfazer duas confusões que fez. Uma na economia, com a gastança que levou à necessidade de ajuste fiscal. O segundo nó será na energia. Se tivesse feito campanha de racionalização de uso de energia teria reduzido o consumo e diminuído a conta que já está pesada e continuará pesando sobre o consumidor nos próximos anos. Não fez campanha de economia de energia para não dar o braço a torcer.

A propaganda eleitoral tinha se preparado para usar a comparação entre o apagão de FHC e a redução do preço de energia anunciada por Dilma. Por isso ela gravou em 2013 seu pronunciamento à TV já ao lado do marqueteiro. Foi quando anunciou a queda da tarifa. Deu tudo errado, o abastecimento foi garantido com o uso das térmicas, e os preços subiram apagando a benesse concedida de olho na urna.

Quando se analisa o histórico da ENA (Energia Natural Afluente), constata-se que esteve baixa em 2012. De 86% no Sistema Integrado Nacional e de 68% no Nordeste, por exemplo. O governo poderia ter visto os dados e tomado mais cuidado com as medidas populistas. Mas talvez tenha confiado no dado do Sudeste/Centro-Oeste, conhecido como a caixa d"água do Brasil, que ficou em 116% em 2011; 94% em 2012; 106% em 2013; e 74% no ano passado. Caiu em 2014, mas não tanto assim, e vinha de anos bons. O problema, portanto, não foi apenas falta de água, mas de boa gestão do setor.

Como já foi dito aqui, o governo deixou que as empresas entrassem no ano passado sem ter comprado toda a energia que tinham que fornecer a clientes. Estavam em parte "descontratadas". Essa falta de contrato obrigou-as a ir ao mercado livre e comprar ao preço que dava, e ele disparou. Isso e mais o uso intenso das térmicas desequilibraram financeiramente as empresas. Elas tiveram que pedir dinheiro emprestado, que pagarão repassando ao consumidor. Além disso, mudanças feitas pela MP 579 transferiram custos para o Tesouro e as empresas ficaram "tesouro-dependentes", como estão dizendo os ministros da área econômica.

Em 2015, há previsão de maior volume de chuvas nos meses mais importantes, de janeiro a abril. Mesmo assim, o que se diz no setor é que o governo terá que manter todas as térmicas ligadas. Se for assim, será o terceiro ano de uso intenso das térmicas, o que eleva o custo da energia. Em má hora o governo fez aquela intervenção que desorganizou todo o setor. Agora o consumidor passará alguns anos pagando a conta.

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