quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Potências europeias empurraram Grécia rumo à esquerda

Entrevista - Aristides Baltas

• Novo ministro da educação, fundador do Syriza diz que vitória era impossível há 5 anos

Leandro Colon – Folha de S. Paulo

ATENAS - O novo ministro grego da Educação, Cultura e Religião, o filósofo Aristides Baltas, 72, diz que era "impossível" pensar, cinco anos atrás, que o partido de esquerda radical Syriza governaria o país.

"Há uma atmosfera diferente na Europa. As principais forças, com a Alemanha capitalizando isso, empurram alguns países em direção à esquerda, como Grécia, Espanha e Itália", afirma à Folha, num café de Atenas.

Fundador do Syriza, que venceu as eleições de domingo (25), ele diz que os primeiros meses de governo serão "instáveis" diante da nova relação com o bloco europeu. Baltas é um dos coordenadores do programa de governo.


Folha - Como fundador, o sr. imaginava que o partido ganharia uma eleição?
Baltas - Cinco anos atrás, pensar nisso era impossível. Queríamos o maior número de líderes no Parlamento. Mas a crise econômica mudou tudo. Desde então, analistas começaram a questionar o que estava ocorrendo, e nossa posição começou a ter apoio. Fomos bem nas eleições de 2012, e continuamos até chegar a esta eleição.

Será um governo instável e turbulento?
Para os primeiros meses, com certeza será instável. Nós temos que apresentar para a Europa o plano de como retomar o crescimento da Grécia, renegociar a dívida e manter o equilíbrio fiscal.

Como definiria o Syriza?
É uma longa história, mas, resumindo, é uma coalizão de várias organizações de esquerda, parte vinda do tradicional eurocomunismo. Incluo-me nesse grupo, do Partido Comunista que teve grande atuação em 1968. E se juntaram a isso trotskistas, maoistas e novas forças, como grupos feministas, de meio ambiente e antiglobalização. São grupos que sempre perderam eleições e reconheceram a necessidade de unir forças.

O que essa vitória significa para a história da Grécia?
É o maior reconhecimento que tivemos desde a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Naquela época, surgiu uma grande frente nacional de esquerda. Depois da guerra, tentaram derrubar essas forças. Depois, sofremos com a ditadura, quando pessoas foram mortas e presas.

E qual o principal desafio do Syriza no poder?
Transformar em verdade as promessas e interromper a catástrofe que vem ocorrendo aqui nos últimos anos. Começar os programas e estabelecer a nova relação com as forças europeias, resgatando a dignidade das pessoas.

Como vê a reação da Europa de temor ao Syriza?
Essa análise tem de levar em conta o que acontece na Europa. As principais forças, com a Alemanha capitalizando isso, empurram alguns países em direção à esquerda, como aqui, na Espanha e na Itália. Há uma atmosfera diferente na Europa. Forças estão se aliando em busca de uma negociação mais efetiva com chances de implementar o que queremos para o país.

Por que vocês são contra medidas de austeridade fiscal?
Porque foram impostas pela Europa sem levar em conta o que fazer se essas medidas dessem errado. O governo apenas seguiu essas ordens. Esse é o grande problema. Algo imposto de fora, que, no fundo, destruiu a Grécia. Esse programa tem sido um desastre.

Os adversários dizem que o Syriza vende ilusões e mágica.
Isso é mentira. O que se sabia de nosso programa meses atrás? Provavelmente é a primeira vez que se discute isso na Grécia: como e onde vamos gastar o dinheiro público. Nosso programa pode funcionar e abrir a discussão sobre o que ocorre na Europa.

O Syriza fez coalizão com o partido Gregos Independentes, de direita, para governar. Não é uma contradição?
É uma parte da direita, mas que tem sido consistente no discurso contra as medidas de austeridade. Outros partidos são absolutamente a favor do jogo da Europa. É a única maneira real de ter um governo, pois senão teríamos que fazer nova eleição.

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