sábado, 24 de janeiro de 2015

Ricardo Young - Uma cidade dirigida pelo retrovisor

- Folha de S. Paulo

Uma metrópole como São Paulo é um organismo vivo. A cada dia a cidade se reinventa, são novos problemas e novas soluções.

Esse sistema complexo se sustenta nessa dinâmica única, que só experimenta quem vive em uma megacidade. São milhões de pessoas, construindo suas histórias em ambientes diversos com as mais variadas peculiaridades e demandas.

Governar um município como este não é, de fato, uma missão simples. Mas, a tarefa me parece um tanto mais complicadas quando aqueles que estão à frente dessa empreitada se pautam pelo retrocesso.

Comecei este ano com uma péssima notícia: o prefeito Fernando Haddad vetou o projeto de lei nº 770/2013, do qual o vereador Laércio Benko (PHS) e eu somos autores. Nós propusemos criar na cidade de São Paulo um sistema de táxis compartilhados. O projeto propõe o compartilhamento dos táxis em trajetos específicos e alternativos como forma de estimular a classe média a deixar o carro em casa.

A tarifa seria definida por percurso e quem usasse o táxi compartilhado poderia dividir a cobrança com os outros passageiros. A conta é bem simples: quanto mais gente no veículo, menor o custo para cada um dos passageiros e menos carros estariam nas ruas carregando apenas uma pessoa.

A ideia era fazer com que o paulistano que não usa ônibus e que prefere o carro, deixasse o carro em casa e fosse de táxi. Ou que também aqueles que utilizam o carro para ir a terminais de ônibus ou a estações do metrô fizessem esse percurso com o táxi compartilhado, o que diminuiria a lotação dos estacionamentos em volta desses pontos e, inclusive, o índice de roubos nessas localidades.

O prefeito justificou o veto da proposta com o argumento de que iniciativa semelhante já foi implantada na década de 90 e não foi bem-sucedida. Os táxis-lotação do século passado deram origem primeiro às lotações clandestinas e, posteriormente, às vans de lotação, que ainda circulam pela capital.

Vetar uma proposta inovadora e que pouco se parece com a experiência anterior, com base em acontecimentos de uma São Paulo de 20 anos atrás, é ignorar as transformações pelas quais a cidade passou nesse período.

Utilizando um exemplo atual, basta pensar se há 20 anos as centenas de quilômetros de ciclovias que estão sendo pintadas atualmente seriam plausíveis. A resposta é não. Hoje, no entanto, são totalmente plausíveis porque a cidade é um sistema mutante e evolui junto dos seus indivíduos.

O texto do veto coloca ainda a possibilidade de que os taxistas subvertam o projeto, usando de forma não regulamentada e ilícita a nova modalidade, colocando-a como concorrente irregular do sistema de transporte coletivo.

Outra previsão que, no mínimo, ofende a classe dos taxistas. É justo vetar algo que pode ser bom para a cidade e sua população, colocando a culpa em uma classe e acusando-a previamente de ilícitos? Creio que não.

A decisão é também uma clara demonstração de que esta gestão pouco se preocupa em avançar na agenda da sustentabilidade. Ao contrário, insiste em acirrar a disputa entre os modais de transporte, em vez de aprimorá-los de forma complementar.

Para capitanear uma cidade como São Paulo é preciso olhar à frente, e não ter seus olhos fixos no retrovisor. O que Fernando Haddad vem fazendo, e fez mais uma vez no caso desse veto, é enfraquecer o Legislativo, ignorando as boas ideias que essa esfera produz.

O projeto seria bom para a cidade, para a população e para os taxistas. Com o veto, perdem todos.
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Ricardo young, 57, é vereador em São Paulo pelo PPS. Foi presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

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