terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Sinais de resistência aos cortes nos benefícios – Editorial / Valor Econômico

Não deve ser tranquila a implementação das mudanças das regras dos direitos dos trabalhadores e contribuintes da Previdência anunciadas pelo governo como uma das estratégias para atingir o superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), equivalente a pouco mais de R$ 66 bilhões. O governo conta com uma redução de despesas de R$ 18 bilhões com as mudanças do seguro-desemprego, do abono salarial, do seguro-pescador, da pensão por morte e do auxílio doença.

Algumas dessas medidas já haviam sido desenhadas no governo anterior, mas ficaram em banho-maria por causa das eleições. Passado o segundo turno, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou parte dos estudos e disse que somente com o seguro-desemprego e o abono salarial o governo gastaria aproximadamente R$ 45 bilhões em 2014; somando o auxílio-doença, a conta chegaria a R$ 70 bilhões. Já os gastos com pensão por morte somariam R$ 90 bilhões (Folha de S. Paulo, 7/11/2014).

A expectativa é que a maior parte da redução de gastos será obtida com a alteração das regras de concessão do seguro-desemprego. Há anos observa-se a trajetória crescente dos pedidos de seguro-desemprego, apesar de o país estar registrando um dos mais baixos índices de desocupação.

Desde o início da década o governo vem tentando frear esse número sem sucesso, mas também sem muito empenho. As novas regras ficaram bem mais restritas. Pela MP 665, ainda a ser apreciada pelo Congresso, o primeiro pedido de seguro-desemprego só será concedido se o trabalhador comprovar o recebimento de 18 salários nos 24 meses anteriores, e não mais em seis. O segundo pedido só pode ser feito com 12 salários recebidos nos 16 meses anteriores; e no terceiro foi mantida a exigência de seis salários recebidos.

O abono salarial também ficou mais limitado. A partir de 2016, só terá direito ao abono quem trabalhar seis meses ininterruptos ele será proporcional ao tempo trabalhado. O seguro-desemprego do pescador artesanal, concedido no período de defeso, passa a ser responsabilidade da Previdência e não mais do Ministério da Pesca, e não poderá ser acumulado com outros benefícios. Outro foco de fraudes e de gastos elevados, a pensão por morte teve importantes alterações em exigência de contribuição e redução do benefício. No caso do auxílio doença, o período de responsabilidade de pagamento da empresa foi ampliado de 15 para 30 dias, a partir do qual o benefício será coberto pela Previdência pela média das últimas 12 contribuições.

Há várias dúvidas se os planos do governo se concretizarão. As centrais sindicais já pediram a suspensão imediata das MPs e criticam especialmente as mudanças no seguro-desemprego, que atingiriam com mais intensidade os trabalhadores de setores onde a rotatividade é maior, a construção e a agricultura, e também os mais jovens, que tendem a mudar mais de emprego. Não se sabe também como o Congresso avaliará as MPs quando terminar o recesso.

No centro do debate está o real impacto das medidas nas despesas do governo e no bolso do trabalhador. O assunto foi tema de reunião convocada para ontem pela Secretaria-geral da Presidência da República entre os ministros do Planejamento, Previdência, Trabalho e as centrais sindicais. Os representantes dos trabalhadores ainda não digeriram o episódio em que o ministro do Planejamento falou em mudar as regras de correção do salário mínimo e foi obrigado a voltar atrás pela própria presidente Dilma Rousseff, que durante a campanha havia prometido não mexer no direito dos trabalhadores "nem que a vaca tussa".

Segundo o Ministério do Trabalho, se as novas regras do seguro-desemprego tivessem sido aplicadas no ano passado, 26,58% dos pedidos do seguro-desemprego, 2,2 milhões de um total de 8,5 milhões, teriam sido recusados. Levantamento feito pelo Valor com base nos dados de demissões do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e pelo professor da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Alberto Ramos, indica que 63,4% dos 10,8 milhões dispensados sem justa causa de janeiro a novembro do ano passado não preencheriam as novas exigências para obter o benefício. As centrais sindicais certamente vão querer tirar isso a limpo.

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