sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Vinicius Torres Freire - Eurozona e confusão das moedas

• Despejo trilionário de dinheiro na Europa eleva incerteza sobre impacto da economia global no Brasil

- Folha de S. Paulo

Os europeus vão despejar dinheiro na economia deles, devagar quase parando faz sete anos. E daí? O que nos importa? Difícil estimar. Mesmo os europeus não sabem qual o efeito de despachar € 1 trilhão para o mercado no próximo ano e meio.

O mundo, porém, ficou mais imprevisível e sujeito a guerras de moedas, aos impactos de possíveis variações importantes do preço de dólar, euro, iene e yuan. O pobre Brasil vai ficar perdido nesse tiroteio, que pode ter consequências ambíguas para o câmbio (o "preço do dólar") e nenhum benefício para a economia no curto prazo.

Para encurtar a conversa, o Banco Central Europeu vai despejar dinheiro na praça a fim de reanimar o consumo, tão parado que a eurozona não cresce nada e padece de deflação.

A princípio, tal política funciona porque leva as taxas de juros para baixo. Mas os juros já estão perto de zero na eurozona. De resto, os bancos relutam em emprestar, pois ainda não se recuperaram totalmente da crise ou temem calotes numa economia que vai mal.

Um caminho de sucesso seria uma desvalorização grande do euro, o que poderia elevar a exportação europeia. Com juros a zero e escassas alternativas de aplicação na zona do euro, o dinheiro migraria, para os EUA ou para emergentes remediados ou nem tanto, mas que ao menos ofereçam juros gordos. O euro ficaria mais fraco; os produtos europeus, mais baratos e exportáveis.

O efeito final disso sobre o Brasil é nebuloso. Pode ser que, com a restauração de certa ordem na nossa economia, parte da sobra de capital do mundo venha para cá, atraída pelos nossos juros indecentes, o que valorizaria o real.

Por um lado, não seria boa coisa: a recuperação da indústria depende também de um real mais fraco. Nessa caso, o nosso Banco Central poderia dar cabo das intervenções que vêm evitando desvalorização maior do real.

Por outro lado, com entrada de capital, teríamos escapado do risco de uma estiagem de capital externo, o cenário básico de um ano em que os juros subiriam nos EUA e em que nós ainda seríamos tratados como "economia frágil", candidata a ser esnobada pelo "mercado".

Mas esta conversa ainda está simples. Uma desvalorização forte do euro pode criar mais confusão. O Japão vai desvalorizar ainda mais a sua moeda (tanto por causa do euro como por causa da fraqueza econômica persistente)? A China, também com inflação baixa e crescimento declinante, vai reagir com estímulo monetário e desvalorização de sua moeda, até para compensar a concorrência do iene baratinho?

Mesmo que o relaxamento monetário europeu dê certo, a economia europeia reagiria apenas um pouquinho e bem mais adiante. Por esses e outros motivos, afetaria em quase nada nosso comércio externo. Enfim, o cenário básico do mundo ainda é o de inflação baixíssima, enquanto os nossos custos continuam a crescer (nosso produtos perdem "competitividade", como se diz).

E a gente nem falou do efeito de um dólar fortalecido demais (os juros subiriam mais tarde nos EUA) e do risco renovado de bolhas. Ou da esquisitice que é o mercado global de ações exultar, inflado como se o PIB fosse decolar, e as taxas de juros do mundo rico estarem em nível de depressão.

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