terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Brasil mantém silêncio conivente sobre Venezuela – Editorial / O Globo

• A falta de condenação explícita da escalada da repressão do regime de Nicolás Maduro pelo governo Dilma denuncia dois pesos e duas medidas na diplomacia brasileira

Chama atenção o silêncio do Brasil diante da escalada da repressão praticada pelo regime bolivariano da Venezuela contra a oposição. Desde a reação truculenta aos protestos do ano passado, que deixaram 45 pessoas mortas, à prisão sem mandado judicial do prefeito de Caracas, Antonio Ledezman, na última quinta-feira, o governo brasileiro vem sendo cobrado a se posicionar sobre a questão, mas reage com um protocolar silêncio, sob a justificativa de “não interferir em assuntos internos" de países vizinhos.

Esta posição, porém, não se sustenta quando se examina, entre outros exemplos, a rápida reação da diplomacia brasileira na suspensão do Paraguai do Mercosul, na ocasião do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo, em 2012. A medida, embora controversa politicamente, possuía fundamento jurídico, pois estava embasada na Constituição paraguaia. Apesar disso, liderados pelo Brasil, os membros do Mercosul que compartilham de alguma maneira a ideologia bolivariana aprovaram a suspensão do Paraguai. O afastamento do país foi primordial para a entrada da Venezuela no bloco sul-americano, pois sua adesão enfrentava forte oposição de Assunção.

Ledezman foi preso por cerca de 50 agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), numa ação violenta, em que seu gabinete terminou invadido a tiros, e o prefeito, levado para um centro militar, sob a acusação de conspirar para derrubar Maduro. A ação contra Ledezman se baseou, soube-se depois, em denúncia de um militar aposentado feita sob tortura, e com vários indícios de ter sido forjada. Ontem, enquanto membros do ABP, partido do prefeito, eram impedidos de visitá-lo na prisão, agentes do Sebin e da Guarda Nacional Bolivariana (GBN) invadiram a sede do Copei, outro partido da oposição.

A escalada da violência contra a oposição gerou protestos de países vizinhos, como Chile e Colômbia, além dos EUA, acusados por Maduro de tentarem desestabilizar o regime. A subsecretária de Estado americana para a América Latina, Roberta Jacobson, disse estar profundamente preocupada com o acirramento da repressão na Venezuela.

Já o Ministério de Relações Exteriores do Brasil divulgou nota, afirmando que acompanha “com grande preocupação a evolução da situação na Venezuela”, sem sequer mencionar a prisão de Ledezman. A nota também aponta os esforços no âmbito da Unasul, que prometeu enviar uma missão à Venezuela “para avaliar a situação”. Um dia após a prisão de Ledezman, a presidente Dilma Rousseff concedeu, numa cerimônia em Brasília, credenciais à nova embaixadora venezuelana, Maria Lourdes Urbaneja Durant. Indagada sobre a escalada de violência, Dilma disse não poder se intrometer em questões internas do país.

A não condenação da repressão na Venezuela, cuja violência é proporcional à queda da popularidade de Maduro, deixa o governo do PT na deplorável posição de cúmplice de um regime que caminha para ser uma ditadura.

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