quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Carlos Alberto Sardenberg - Meio mérito

• Caem todos na ingrata tarefa de tentar explicar que a investigação é um êxito histórico, mas os resultados, uma conspiração anti-PT

- O Globo

Teoria do PT: roubalheira, sempre houve; só que antes era escondida pelos governos e, agora, desde a presidência de Lula, é investigada às claras.

Sendo isso verdade, o mensalão e a lava-jato devem ser incluídos no rol de realizações da era petista. Sem nenhum exagero, esse tremendo flagra na corrupção pode até aparecer na lista do “nunca na história deste país....”

Ocorre que o PT, pelo que dizem seus militantes, do mais ilustre até a base, não aceita esse mérito. Mensalão? Nunca existiu. Os condenados e presos? Vítimas da mídia e das elites. Lava-jato? Não tem nada provado, só denúncias de criminosos-delatores. Milionárias doações de campanha feitas por empresas suspeitas? Absolutamente legais.

De maneira que ficamos assim: o governo do PT não esconde, nem engaveta nada, mas manda investigar e punir, dando independência e condições de trabalho a Justiça, promotoria e Polícia Federal. Era o que dizia a presidente Dilma durante sua campanha, foi o que repetiu para O GLOBO o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, ainda nesta semana. Mas o resultado da investigação, segue a teoria petista, está sendo manipulado com o fim de derrubar o próprio PT.

Mesmo com a ajuda dos marqueteiros e com o talento de Lula para driblar as questões delicadas, fica meio esquisito. Se os governos petistas tiveram tanto poder para colocar Justiça e polícia na investigação, como poderiam ter sido tão ludibriados a ponto de tudo virar uma “manobra para criminalizar o PT"? Fica difícil explicar, inclusive nos tribunais, que a investigação foi uma boa, mas os resultados, não.

Tudo considerado, o PT quer meio-mérito.

Por isso, soam tão esquisitas declarações como as do ministro da Justiça (GLOBO, 10 de fevereiro). Por exemplo: “O governo (Dilma) não cede um milímetro na sua orientação de que tudo deve ser apurado... e punido com máximo rigor... Agora se dá garantias para que se faça..."

Apurar e dar garantia aos poderes independentes é obrigação de qualquer governo. Mas , vamos lá, aceitemos provisoriamente a tese de que este governo e o de Lula têm esse mérito porque os outros seriam de roubalheira sem apuração. E, por isso, completa o ministro: “É um dever da Polícia Federal apurar se (a corrupção) é no governo A, B ou C".

Quer dizer, então, que a Polícia Federal e o Ministério Público só vão atrás dos malfeitos dos governos petistas? Reparem: a Polícia Federal está no organograma do Ministério da Justiça. O ministro não pode, pela lei, e não deve, pela ética, interferir nas investigações e selecionar os fatos que serão ou não objeto de investigação. Mas o ministro nomeia e demite os chefes da PF — e, vamos convir, seria um motivo de demissão se a polícia não estivesse cumprindo seu dever de “apurar se é no governo A, B ou C".

Mais diretamente: o ministro não pode ou não deve chamar o chefe da PF e mandar parar a investigação que apanha petistas. Mas pode cobrar: e os outros? E demitir se a apuração for enviesada.

Não faz isso — e aqui vai o outro lado — porque as descobertas da PF, do Ministério Público e do juiz Moro são avassaladoras. Só haveria um meio de, na política, afastar essa corrupção do PT e seu governo: seria admitir os fatos, pedir desculpas e separar os culpados dos inocentes.

Deve haver inocentes, não é mesmo? O que estará sentindo o militante fiel da base, que não pegou um centavo, ao saber, por exemplo, que o ex-chefe José Dirceu recebeu mais de R$ 4 milhões, para sua empresa, não para o partido, por consultorias de sociologia e economia?

Não é possível que esteja todo mundo envolvido. Mas é, sim, estranho que os inocentes não tenham se revoltado. Você luta por uma causa e aí vêm uns caras que, em nome do partido, enchem os bolsos? Não tem nada de mais?

Acontece que o problema é mais complicado para eles. Não se pode dizer que sejam todos corruptos, mas pode-se dizer que eles, militantes, quadros e associados do PT, não vivem mais fora do governo. Por isso, é preciso defendê-lo a qualquer custo, mesmo sabendo que está sendo mantido à custa de dinheiro ilícito.

Dá para imaginar a cena, o chefão da turma dos pragmáticos, digamos assim, dizendo ao militante de fé: e você acha que a gente ia ganhar eleição vendendo estrelinha na Cinelândia?

E assim acabam todos envolvidos, os com dinheiro e os sem dinheiro. Assim caem todos na ingrata tarefa de tentar explicar que a investigação é um êxito histórico mas os resultados são uma conspiração anti-PT.

Tão ingrata quanto dizer que ajuste fiscal é só uma pequena medida corretiva. Ou que não tem ajuste coisa nenhuma. Ou ainda: quem disse que não faria o ajuste?
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

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